sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Capitulo catorze: Pellegrini.

Preguiça.

A preguiça me dominava, geralmente é assim quando acordamos não?

Estiquei-me sentindo meu corpo estalar enquanto eu despertava. Que dia era hoje? Sábado? Não precisava me levantar cedo...

- Bom dia. – Ouvi o tom doce na voz ecoando atrás de mim.

- Ah, caramba! - Ok, acordei agora – Ben?

- Quem você esperava? – Ele deu um sorriso meio divertido, meio irônico.

Eu fiz um salto desajeitado, mas só consegui me por sentada na frente dele.

- Eu dormi a noite toda aqui? – Perguntei piscando algumas vezes enquanto olhava ao redor. O colchão não estava mais debaixo da clarabóia, até porque agora os raios do sol passavam fortemente por ela. – Ou ali? - Completei fitando a parte mais clara, tanta luz... Eu entendo o porquê ele queria evitar. Então Benjamin mudou o colchão de lugar e eu nem percebi. Caramba, Gabriela!

- Dormiu. – Ele deu de ombros – E seu sono e bem pesado se quer saber, tive medo de te acordar, mas não consegui chegar nem perto disso. A propósito... Eu disse bom dia.

- Bom dia. – Respondi com ironia. – Você é sempre agradável assim de manhã?

- Olhe quem fala.

- Touché. – Fiz uma cara ofendida.

Ele riu e se apoiando nos cotovelos veio até mim, beijou minha testa.

- Você é estranho, sabe disso. – Resmunguei.

- Defina estranho. – Ele me olhou sem vestígios de sono ou outra coisa, parecia que ele já estava acordado há tempos...

Vestígios de sono. Opa.

- Ah, droga. Fique longe. – Resmunguei passando a mão pelo meu cabelo, meu cabelo comprido e ondulado que dá de dez a zero na juba do rei leão quando eu acordo.

Eu não queria nem pensar no meu hálito.

- O que foi? – Ben perguntou.

- Eu estou ridícula. – Resmunguei segurando o cabelo e me afastando.

Ele riu. Que simpatia.

- Como você é dramática. – Ele rolou os olhos. – Não está ridícula.

- Preciso de um banho.

- Quer que eu vá com você? – Ele ergueu uma sobrancelha, com os olhos cheios de malicia.

- Não! – Exclamei tentando me fingir horrorizada enquanto me punha de pé, caminhando para fora.

- Muito dramática. – Eu ouvi sua risada e senti os braços dele envolvendo minha cintura por trás. – Era só uma piada, a não ser que você queira aceitar.

- Tarado. – Resmunguei rindo feito uma boba, Ben tinha esse efeito sobre mim.

- Vejo você no café da manhã? Ou no almoço? Sei lá que horas são. – Perguntei.

- Claro. – Ele respondeu.

E enquanto caminhava de volta ao dormitório só conseguia pensar: Como diabos isso tudo foi acontecer tão rápido?

***

- Eu sabia, eu sabia! – Cherrie cruzou os braços para mim, ao seu lado estava Brige jogada da cama.

- Ótimo Cherrie. Você é um gênio leitor de almas. – Reclamei enquanto amarrava o all star. Estávamos no dormitório bruxo e as gêmeas tinham partido para a casa cedo. Já era quase o horário do almoço.

- Ok, Gabriela tem um namorado. Mas vocês não acham que estamos esquecendo um detalhe importante? – Brige jogou as pernas para o alto e deixou a cabeça pender para baixo na beirada da cama, fazendo os cabelos vermelhos ficarem mesclados com a barra do edredom da cama de Cherrie.

- O que? – Nós duas perguntamos em coro.

- A professora sumida, o ataque de céberos, a conversa. O que é um filho do pecado? Vocês sabem que há alguma coisa de podre no reino da Ametista não?

- Ah é, isso. – Cherrie resmungou.

Lembrei-me do diário, não me pergunte o porque. Só fiz uma nota mental para não me esquecer dele de novo.

- Eu estava pensando sobre isso. – Cherrie puxou a fila para fora do quarto, ainda precisávamos almoçar.

- Teorias? – Indaguei seguindo para a porta, Brige atrás de mim.

- Talvez a professora Novaes seja a tal filha do pecado. – Cherrie começou.

- Se querem proteger a filha do pecado não a mandariam de férias, Cherrie – Resmunguei.

- Você por acaso tem uma ideia melhor?

- Ela pode estar procurando pela filha do pecado. – Pensei em voz alta.

- O cérbero estava na floresta e um filhote não viria sozinho, então há mais andando na superfície. Segundo Cherrie, Marek disse que a filha do pecado não tem culpa de ser o que é, então, talvez ela seja uma espécie de arma-humana. Por isso todos a querem, os professores e alguém com muito mau gosto para animais de estimação.

- Aquele que está controlando os cérberos. – Cherrie completou o testemunho de Brige.

- Então, pergunta um. O que é um filho do pecado. E pergunta dois. Quem está por trás dos cérberos. – Formulei.

- Exatamente. Agora só falta encontrar as respostas. – Brige sorriu. – Primeiro, a mais fácil, deve existir alguma lenda sobre essa tal filha do pecado em algum lugar.

- Vocês não acham que devíamos ficar fora disso? Quer dizer, isso não é da nossa conta. Não tem nada haver com a gente. – Cherrie retrucou.

- Você está falando sério? – Arregalei os olhos.

- É claro que não! – Cherrie riu.

Era nossa escola, e eu tinha sido atacada por aquela coisa. Qualquer um ficaria interessado.

- Eu preciso ir para casa depois do almoço. Mas a biblioteca daqui é bem vasta. – Brige voltou a falar.

- Hora da pesquisa, que empolgante. – Cherrie revirou os olhos.

- Eu já perdi o almoço com a minha mãe, se eu não for, capaz dela vir até a escola. – Seria bem a cara da minha mãe. As cartas dela geralmente vinham com uma conta dos dias que faltavam para o fim de semana.

- Eu vou ficar na escola. Papai e mamãe forma acampar na Irlanda dessa vez. Francamente, não sei aonde elas arrumaram esse espírito aventureiro. – Cherrie revirou os olhos de novo. – Seria algo a fazer no fim de semana, além de segurar vela pra Lucy e Brad.

- Lucy e Brad estão juntos? - Perguntei.

- Lucy e Brad... São Lucy e Brad. Você os conhece, depende do dia e do humor. É ódio e desejo. – Ela riu.

- Bom, procurem o que puderem. Reunimos qualquer coisa na segunda. – Conclui.

- Hey, temos um plano. – Brige riu – Estou me sentindo uma das panteras.

- Eu quero ser a Alex! – Os olhos de Cherrie até brilhavam.

- Deus. Estou cercada de loucas.

Elas me mostraram a língua, feito duas crianças birrentas. Impossível se manter séria ao lado delas.

Chegamos ao refeitório.

- Acho que isso também é algo em que devemos ser discretas. Especialmente a conversa. – Cherrie baixou o tom voz.

- Vocês não acham que estamos deixando a nossa melhor pista passar em branco? – Comecei, agora parecia tão obvio.

- Qual? - Brige perguntou.

- Cherrie. – Dei de ombros. – Você se lembra da visão? Quem era ao espírito? O que ele queria dizer?

- Ah, não exatamente... Eu não fiz muitos progressos na mediunidade.

- Pensei que Miguel fosse te ajudar? – Brige arregalou os olhos – Você tem visto ele quase todo dia.

- Meio que nós nos distraímos do foco principal. - Ela admitiu envergonhada. Nós já estávamos nos sentando em uma das mesas redondas agora.

- Há-Há! Cherrie apaixonada. – Doce vingança.

- Não tem graça.

E eu perderia mais tempo rindo de Cherrie junto com Brige, mas meu motivo de me manter boba chegou. Sorrindo, e agora completamente vestido – Não que isso fosse uma coisa boa – com uma camiseta branca e os cabelos escuros úmidos de um banho recém tomado. Benjamin vinha na minha direção.

Era tão incrível esse efeito que ele tinha sobre mim, tudo ao redor parecia sumir, ele era tudo que conseguia ver.

Já disse que sou patética, não?

Ah eu sou, realmente. Patética, todos os apaixonados são assim.

Mas desviando um pouco minha atenção, reparei num garoto alto e com cabelo cor de areia ao lado dele. Ele tinha amigos afinal. Embora esse tenha se despedido assim que Ben parou perto de nós, se limitando apenas a um breve sorriso na nossa direção.

- Seu amigo? – Perguntei.

- Meu colega de quarto, Guilherme. – Ele deu de ombros. – Oi.

- Uhh, ele é gato. – Brige se inclinou para frente. – Mas não conte a ele. Meu nome é Brige. E eu sei o seu, Gabriela fala muito – Ela sussurrou a última parte, tampando aboca.

- Eu ouvi Brige.

- Tudo bem. – Benjamin riu.

E olha só, Cherrie e Brige até se comportaram muito bem durante todo almoço. Pareciam até pessoas civilizadas.

Nunca me senti tão bem em meio a tantas pessoas.

Depois do almoço fui para a casa de minha mãe, ainda que os outros se tornassem pessoas de quem eu gostasse, ainda eram os outros. E eu não trocaria um dia na praia com minha mãe por nada nesse mundo. E foi assim que passamos, sábado e o domingo na praia. Tenho que admitir que fiquei bem feliz, já estava quase perdendo meu bronzeado trancada na escola. Lá não havia tanto sol quanto aqui. E tomar sorvete enquanto tostava na toalha olhando o mar – com protetor solar, claro, a intenção é pegar um bronze e não um câncer de pele. – me lembra minha infância. E tenho de dizer. Adoro nostalgia.

Mas isso só dura até a noite de domingo.

No caso, pulemos direto para a noite de segunda.

- É impossível você não ter achado nada. – Brige pisava forte enquanto entravamos na biblioteca da escola. - Impossível. Bibliotecas sempre têm as respostas, sempre.

A julgar pela da escola, toda feita em madeira e com prateleiras que chegavam até o teto por todos os lados a sala enorme, ela deveria ter tudo mesmo.

- Brige, li sobre toda criatura que você possa imaginar. Não achei nada que possa ser relacionado com filha do pecado. – Cherrie bufou.

- Você perguntou para a Srta. Martin? - Brige sussurrou se referindo metamorfa bibliotecária quase escondida atrás de uma montanha de livros na sua mesa que centrava a sala.

- Perguntei. Li tudo que ela indicou.

- E o que ela indicou? - Perguntei enquanto nos enfiávamos em um dos corredores.

- Vários guias sobre criaturas sobrenaturais. Lobisomens, bruxas, metamorfos, sereias, fadas, centauros, hipogrifos, unicórnios, cavalos-alados e não sei mais o que.

- Onde estavam esses livros? – Brige perguntou.

- Por ali... – Cherrie andou até o fim do corredor e apontou na direção de outras prateleiras.

- Ótimo, então vamos por aqui. – Brige nos puxou. – Nós somos as panteras lembram, não podemos desistir.

- Brige, nós não somos as panteras. – Reclamei.

- Não estrague o clima. – Ela mostrou a língua pelos ombros.

Demorou uns segundos até que ela escolhesse o corredor. Acho que um dos mais afastados, se quer saber.

- Vamos começar por esse. – Brige saiu passando os olhos em todos os títulos. Ela retirava um livro folheava e se ela se interessava jogava nos braços de Cherrie.

- Será que ela pensa mesmo que é uma pantera? - Murmurei pra Cherrie.

- Há uma possibilidade. – Cherrie sussurrou de volta.

- Porque vocês estão paradas ai? Vai parecer suspeito. Procurem alguma coisa que nos seja útil.

Não a vi necessidade de procurar algo, em poucos minutos os braços de Cherrie já estavam cheios de livros e Brige partiu para uma nova pilha nos meus.

- Ali. – Brige se erguia nas pontas dos pés, apontado para uma capa amarronzada na última fileira – Eu quero aquele.

- Não é melhor pegar a escada? Você não vai alcançar. – Sugeri.

Brige pegou a pequena pilha decinco livros que eu trazia nas mãos e colocou em cima dos de Cherrie, que já começava a se desequilibrar por trás dos... Doze?

- Pra que escada quando eu tenho você. Faz uma cadeirinha pra mim. – Ela sorriu me puxando para perto.

- Uma o que? – Perguntei. Ela juntou minhas mãos e fez meus dedos se entrelaçarem deixando as palmas pra cima.

Ai ela colocou o pé em cima. E depois se empoleirou na prateleira.

- Você vai cair. – Resmunguei afagando minhas mãos. Poxa, Brige é mais pesada do que parece.

- Eu estou quase. – Ela continuava se esticando até tocar tal livro com a ponta dos dedos. – Há! Consegui. Eu sabia que... AH!

- Brige! – Exclamamos eu e Cherrie enquanto ela caia.

Mas não foi direto ao chão como pensávamos.

- Ual. Eu voei. – Ela murmurou maravilhada. Essa garota não pode ser normal.

Mas ela não voou. Ela caiu e só não foi direto pro chão porque alguém a havia segurado, alguém que tinha os reflexos bem melhores que os nossos e amparou a queda a segurando pelos ombros e a colocando no chão.

- Ben. – Sorri. – Porque você está aqui?

- Queria ver você. – Ele deu de ombros.

- É, valeu Batman. Aproveita e segura isso aqui. – Brige jogou livro para ele. - Eu vou me render a idéia da escada. Nem pensem em sair daqui. –Ela sibilou antes de só vermos o borrão vermelho de seu cabelo enquanto ela saia correndo.

- Ela está bem? – Benjamin perguntou com os olhos arregalados pra mim. – Batman?

- Se você quer dizer bem das idéias, ela nunca foi. Não se preocupe. – Resmunguei.

- Você está ocupada, posso falar com você?

- Bom...

- Não está. – A voz veio dos olhinhos puxados de Cherrie por trás da pilha. – Eu me viro com a fúria ruiva.

- Obrigado. – Ben sorriu, enquanto deixava o livro numa estante mais baixa.

- Depressa, antes que ela volte. – Cherrie resmungou.

Bom, adoro Brige e Cherrie. Mas uma coisa eu tenho que admitir, não ficava a sós com Ben desde a nossa ‘reconciliação’. E ficar a sós com ele era bem interessante.

- O que você quer fal... – Comecei quando já estávamos fora da biblioteca, mas os lábios dele nos meus tornou desnecessário qualquer fala.

E enquanto caminhávamos pelos corredores, até de mãos dadas feito dois bobos num comercial do dias dos namorados (não que nós fossemos exatamente namorados, quer dizer, bom, não sei o que quero dizer) tive uma conversa muito importante para mim: nós falávamos só por falar e tudo fluía tão naturalmente. Talvez porque eu fosse antissocial e não tenha tido muitos amigos antes de vir para cá apreciasse essas coisas tão simples. Pra mim é novo.

- Melhor música do mundo? – Arqueei uma sobrancelha.

- Eleanor Rigby. – Ben deu de ombros, sorridente.

- Ual. Um vampiro fã de Beatles? – Eu ri.

- Eles são os melhores. – Ele fez uma careta ofendida.

- Não disse que não foram. E sua cor favorita?

- Não sei, azul.... Você tem uma cor preferida?

- Cinza.

- Cinza? Ninguém gosta de cinza. – Ele riu.

- Eu gosto... Quantos anos você têm?

- Próxima pergunta. – Ele ficou sério.

- Como é a sensação de se transformar em vampiro? – Arrisquei.

- Pensei que tínhamos entrando num acordo sobre isso, Gabriela. – Ele parou me encarando.

- Eu só não consigo parar de pensar nisso. Não sei quase nada sobre você.

- Sabe que sou fã dos Beatles. – Ele riu, mas sem humor. – E que eu gosto de você, não basta?

- Por enquanto. – Sorri.

- Posso tentar compensar você. – Ele deu um sorriso torto antes de me beijar de novo.

Os braços dele logo foram para a minha cintura, e nem sei como, me conduziram até que ele me pressionasse contra a parede. Então os lábios dele contornaram meu queixo, descendo até meu pescoço. Vampiros, pescoço. HáHá, eu até acharia irônico e engraçado, mas estava ocupada achando outra coisa sobre os beijos dele.

- Ben... – Murmurei meio entorpecida. Que foi? Você também ficaria.

- Unhum. – Agora ele “brincava” com o lóbulo da minha orelha. – Isso não é justo sabia.

- O que? - perguntei enquanto ele descia de novo para meu pescoço.

- Você me chamar de Ben, enquanto te chamo de Gabriela.

Ele fez uma pausa, para enfiar a língua na minha boca.

- Gosta de Gabi? – Ele parou me encarando. Eu devo ter feito uma careta, porque ele riu.

- Não tenho culpa se meu nome não é feito para ter apelidos bonitos, brigue com a minha mãe.

- Tudo bem, tenho uma idéia melhor. – Ele voltou para o lóbulo da minha orelha. – Amore mio. – Sussurrou de uma forma tão intensa que eu pude sentir até minhas penas bambas.

De que filme água com açúcar esse cara saiu? Sério. Ele não pode ser real.

- Muito mais agradável que Gabi. – Sorri antes de ele me beijar de novo. Dessa vez um beijo mais demorado, intenso. Tipo fim do filme água com açúcar.

E então ele parou, de repente afastou os lábios dos meus e suas feições ficaram sérias.

- Não pode ser... – Ele resmungou.

- O que foi? - Eu perguntei, mas a resposta logo apareceu.

- Benjamin Bertrand. - Uma voz feminina quase cantarolou o nome, se eu já tinha me sentido enjoada só com a voz quando vi a garota caminhando em nossa direção, vestindo um vestido preto tão justo e um sapato de salto agulha tão alto que já me fez sentir ódio.

Não tinha melhor horário para ela aparecer, sério.

- Lia. – Ben aumentou a distancia entre nós, mas pegou minha mão. – O que você está fazendo aqui?

- Trabalho. – A voz esbanjava sarcasmo. E ótimo. Ben conhecia a tal Lia, a tal Lia com cabelos louros e longos mantidos num corte todo repicado emoldurando um belo rosto em formato de coração, nariz arrebitado e anguloso, olhos ambarinos se destacando na pele perfeita e de bochecha rosadas. Droga, ela era linda. Muito mais bonita do que eu, se quer saber.

- Trabalho? Lourenço mandou Pietro para algum trabalho e você o seguiu?

- Depois de tanto tempo você me recebendo tão bem faz até meu coração bater mais forte, querido. – Lia rolou os olhos. – E o Harry Potter? Quem é? – Ela se virou pra mim.

- Gabriela Alcântara. A namorada. – Tá. Não éramos oficialmente namorados, e provavelmente isso iria dar uma boa discussão depois, mas caramba, ela o chamou de querido. Era isso ou dar um querido no meio do nariz perfeito dela.

- Namorada? – Ela riu. Quase gargalhou na verdade – O que aconteceu com você Benji? Tem lido Crepúsculo?

- Lia. – Outra voz chamou. Uma voz masculina dessa vez. – O que você... Benjamin. – O outro parou. Era um cara bem alto e bonito. Bom ele era lindo na verdade. Mesmo por baixo do terno – É, terno. Com direito a gravata e tudo. – E escondido numa postura rígida e formal dava pra notar os traços de uns músculos bem definidos, e o rosto tinha os mesmos olhos ambarinos de Lia, embora o cabelo fosse de cor bronze combinando com a pele um pouco mais corada também.

Que foi? Benjamin que me perdoe. Não sou cega, o cara é bonito.

- Pietro. – Benjamin não foi tão hostil como quando falou com Lia. Talvez eles tivessem sido amigos há algum tempo... Se bem que Pietro não fazia o tipo amigo. Ele era sério, fechado. Como se fosse seu chefe.

- Lia, precisamos voltar. – Ele se voltou para a garota.

- Estraga prazeres. – Ela resmungou. – Eu vejo você depois Benji. – Ela sorriu. – E acho que você também Harry. – Ela saiu rebolando em cima do salto alto.

Vadia.

- Até mais ver. – Pietro acenou com a cabeça para Benjamin e depois para mim, de um modo cordial e seguiu Lia.

Esperei alguns minutos até que os dois sumissem de vista.

- Quem são eles? – Perguntei a Ben.

- Amélia e Pietro Pellegrini. – Ele suspirou.

- Pellegrini? Você quer dizer, Pellegrini... Os irmãos Pellegrini? Aqueles são Amélia e Pietro Pellegrini, os herdeiros de Lourenço o representante dos vampiros?

- Sim.

Uma coisa importante. Obviamente temos política. Mandantes, reis, presidentes, o nome que você quiser dar, o fato é que eles são importantes. Existe um representante bruxo para cada uma das sete pedras e um representante para cada uma das outras criaturas.

- De onde você os conhece? – Perguntei pasma.

- Não é importante. Faz muito tempo.

- É sim, ela te chamou de querido. – Reclamei.

- Lia não é importante, para nada na verdade. Há anos eu não os via.

- Benjamin, de onde você os conhece? – Repeti.

Ele suspirou de um modo pesado.

- Lia foi a vampira que me transformou.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Capitulo treze: Cicatrizes.

Cherrie dormiu, eu não.

Eu até tentei, mas não consegui. Perdi as contas de quantas vezes me deitei e me levantei e cheguei até a comer duas barrinhas de cereal que Cherrie tinha na gaveta. Penteei meu cabelo, peguei meus fones de ouvidos, escovei os dentes, coloquei um pijama e troquei de volta para o meu jeans e minha camiseta vermelha. E nada me distraia.

Então quando o relógio do criado-mudo marcava quase uma hora da manhã, eu abri a porta. Por um momento até pensei que pudesse encontrar a figura de Marek no final do corredor, mas é claro que não o vi. Dã Gabriela! Pensou que ele fosse passar a noite toda vigiando alunas?

Então, caminhei para onde queria tanto ir. E bem, eu realmente esperava que ele estivesse lá, até porque levei um pouco mais de tempo que o necessário para encontrar a porta certa no corredor certo.

Mas quando vi as escadas espirais pude sentir um alivio.

Santa Glinda do norte! Vou dar um murro na minha própria cara se não parar com isso. É sério.

Só que no momento minhas mãos estavam bem ocupadas segurando o corrimão da escada, a iluminação não havia melhorada muito desde a última vez.

O sótão continuava lá, mas havia algumas pequenas alterações, as caixas podiam continuar empilhadas nos cantos mais escuros só me deixando ver seus vultos, mas era perceptível a diminuição da poeira e sob a clarabóia encontrava-se um colchão onde ele estava deitado.

- Se mudou para cá? - Perguntei.

- Às vezes eu me sinto fortemente tentando pela solidão, há uma sensação de paz nela. – Ele resmungou mantendo o olhar no céu. – Quando você quer fugir do mundo.

- Do mundo ou das pessoas? - Perguntei com um desejo extremamente pessoal pela resposta.

Ele sorriu.

- Oi Gabriela. – Ele virou seu olhar para mim pela primeira vez.

- Oi. – Murmurei me aproximando, ele ergueu-se rápido e se pôs sentando no colchão. Foi a primeira vez em que o vi desleixado, não que fosse um problema. Ele estava só com um jeans aparentemente velho e o cabelo despenteado. E caramba, Ben sem camisa é uma visão e tanto... Mas houve algo que me causou um grande incomodo.

- Ah não... – Resmunguei dessa vez quase correndo até cair de joelhos na frente dele. – Seu ombro. – Murmurei colocando minha mão sobre a pele dele, onde quatro faixas mais claras que a sua palidez normal de textura diferente diminuíam a perfeição do seu ombro.

- Eu sinto muito, é culpa minha... aaah, eu sinto muito.

- Acalme-se.

- Uma cicatriz. E uma cicatriz em você! Por minha culpa, me desculpe Ben, me desculpe.

- Ei, acalme-se. – ele repetiu segurando minhas mãos que avaliavam a cicatriz. – Eu não estou incomodado com ela e a culpa não é sua.

- Aquela coisa só te arranhou porque você foi até lá, era pra você estar bem.

- Eu estou bem. – Ele disse de uma maneira tão carinhosa e doce que foi impossível querer manter uma discussão.

E ele parecia mesmo bem, curado. Sem cansaço, lerdeza ou qualquer coisa que lembrasse nosso confronto da tarde. Com exceção da cicatriz. Mas isso foi um fato esclarecido quando reparei em pequenas bolsas de sangue vazias, empilhadas perto do colchão. Uma, duas, três, quatro, cinco...

- Eu estava fraco e... – Ele começou a falar acompanhando meu olhar.

- Eu comi uma barra de cereal porque estava com fome – Arqueei uma sobrancelha.

- O quê?

- Não sei. Você estava justificando seu jantar achei que devia fazer isso também.

- Você não rouba barras de cereal num hospital.

- Não, eu a roubei da gaveta da Cherrie.

- Obrigado. – Ele sorriu.

- Pelo que?

-Por tentar entender.

-Obrigada também. – Levantei minha cabeça para seus olhos.

- Pelo que? – Ele sustentou meu olhar

- Por ter ido atrás de mim, por não me deixar morrer, por se arriscar, por ser educado mesmo quando por culpa minha seu ombro ficou assim. Obrigado por ser você e me desculpe por ser eu. – Respondi encarando aqueles olhos verdes, impossível se cansar de encará-los. Já disse que são lindos, não? E ele os revirou me fazendo ter mais atenção no que falava.

- Acho que devo refazer meu pedido de desculpas, já que você na as aceitou mais cedo. Eu também fui um estúpido, um velho estúpido se preferir. – Ele sorriu.

- E eu uma pirralha mimada. Você não tem do que se desculpar.

- Tenho sim, fui grosso e presunçoso quando você veio falar comigo.

Tive um rápido flash de quando eu o procurei para meu primeiro pedido de desculpas. De quando ele me mandou ir para o inferno. A lembrança pode até me provocar certa dor de novo. – Então, desculpe por ter te ofendido, talvez eu tenha problemas com rejeição. – Ele sorriu.

- Acho que estamos ficando um tanto repetitivos.

-Também acho. – Ele riu e passou as mãos no cabelo, só ai eu percebi que continuava segurando seu ombro e puxei minhas mãos para meu próprio corpo. - Eu sempre tenho tanta coisa com a qual me desculpar. – Ele resmungou em um rápido relance de tristeza apareceu em seus olhos.

- Como o que? – Eu perguntei devido à curiosidade que seu pequeno comentário para si mesmo havia me causado. Afinal, o que eu conhecia sobre Benjamin?

- Como ter beijado você contra sua vontade aquele dia. É que... – E parou pensativo.

- O que? – Como se eu fosse desistir fácil assim.

- Eu não consigo pensar direito quando você está perto, as coisas só acontecem por impulso. Sinto muito ter te feito passar por aquilo, não pensei no que poderia significar para você.

- O que você quer dizer?

- Eu sou um vampiro, civilizado e que vive em comunidade, mas eu estou morto e bebo sangue. Não me admira que isso te cause nojo.

- Eu não tenho nojo de você. – Falei quase atropelando as palavras dele. Nojo de Ben? Ele pensava que eu tinha nojo dele? Minha imagem deve ser realmente muito ruim. – Eu sou uma bruxa, isso não é estranho pra você? Quer dizer, espécies diferentes. Não seria algo como um cachorro e um gato se beijando?

Ele riu. Sim, riu! Mesmo que a minha teoria fosse algo muito sério.

Não tive tempo e ficar com raiva, Benjamin se aproximou. Os dedos dele deslizaram até tocarem as pontas dos meus, o corpo a um palmo de distancia.

Ele não devia fazer essas coisas.

- Quando você olha para mim, o que você vê? – Ele semicerrou os olhos, agora sério.

- Vejo você, oras. – Ei, que foi? Era uma pergunta meio idiota da parte dele, não?

- O que exatamente você vê? Como eu sou? – Ele reformulou com urgência.

- Bem... Pele e... – Perdi o resto das palavras quando os dedos dele subiram, delicadamente, pelo meu braço.

- Pele. – Ele repetiu ainda com o toque carinhoso.

Eu tirei meu olhar de seus dedos e me concentrei no seu rosto.

- Cabelo... – Os dedos abandonaram meu braço e agarraram a ponta de um dos meus cachos.

- Cabelo. – Ele repetiu numa voz sedosa.

- Seus olhos. – Murmurei o fitando, aquela imensidão verde nem podia ser comparada aos meus castanhos sem graça. Benjamin se aproximou ainda mais, hesitante, como se quisesse ter certeza de que eu não ia pirar e brigar com ele outra vez. Mas eu não tinha nenhuma intenção de fazer isso de novo...

- Olhos. – Ele repetiu num sussurro quando aproximou seu rosto do meu. E fechei os olhos e senti a pressão dos lábios dele sobre minhas pálpebras.

- Lábios... – Sussurrei.

Ele colou a testa dele na minha, e eu abri meus olhos. Ótimo, acredite ou não ele estava abafando uma risada.

- Qual é a graça? – Afastei meu rosto sentindo a vergonha me consumir. – Porque você está rindo de mim?

- Não estou rindo de você, apenas me diverti com o som.

- Qual som?

- Do seu coração, está acelerado. E gosto de ouvi-lo. – Ele fechou os olhos e sorriu.

- Não é justo. – O tom saiu tão infantil que até me surpreendeu, ótimo! Se eu não parecia patética antes agora devo parecer uma idiota!

- Quer ouvir o meu? – Ele indagou se aproximando de mim de novo, gracioso feito um gato.

Esse cara não existe.

- Seu coração bate? Quer dizer, eu não quero te ofender, só que tecnicamente você não está... bem...

- Morto. - Ele deu de ombros. –Sim. A transformação... – Ele relutou um pouco para dizer essa palavra – Beber o sangue de um vampiro e morrer. Seu corpo perde as resistências e é mudado pelo vírus. Então acordamos, e enquanto mantemos nossa... dieta nosso corpo funciona. Mais forte, mais resistente, mais rápido. Mas com alguns problemas.

- Como a resistência ao sol... Por isso dói para você, sua pele não é tão... Adaptada.

- Sim. – Ele deu de ombros. – Mas qual seria a utilidade do sangue sem um coração para bombeá-lo? - Ele deu um sorriso tímido.

É, talvez não tenha sido a melhor hora para falar do organismo dele.

- Ei - Eu tentei imitar aquele tom de voz sedutor que ele usava, mas não deu certo.

Segurei seu queixo com o meu indicador e deixei minha cabeça deslizar até seu peito nu.

Tum, Tum,Tum, Tum...

Eu sorri involuntariamente.

- Eu só quero lhe dizer, que talvez não sejamos tão deferentes assim. – Ele sussurrou enquanto afagava meus cabelos.

Confortei-me no abraço dele e procurei por seus olhos antes de falar.

- Você é uma boa pessoa, eu sou detestável. – Resmunguei.

- Você não sabe muita coisa sobre mim. – Ele me puxou de forma com que eu ficasse mais próxima ao seu rosto. – E há coisas que você não pode saber sobre mim, me odiaria. Eu não quero que você volte a me odiar, mas também não pode pensar que eu sou um alguém que não sou.

- Você salvou minha vida, acho que posso confiar em você. – Deixei minha mão contornar seu rosto numa forma carinhosa. Não era algo que eu conseguisse evitar agora.

Ele segurou minha mão, mas seus olhos ficaram tristes.

- Você vê. – Ele firmou meu pulso sob a luz da lua, e a fraca linha da minha cicatriz se mostrou.

- Você vê? – Olhei para seu ombro e deixei os dedos da outra mão contornar os quatro traços do arranhão.

- Não é a mesma coisa. – Ele me fez olhar em seus olhos novamente.

- É como se houvesse algo dentro de você, algo... Sombrio que pode tomar o controle. Você não tem como fugir, só tem de lutar. Lutar contra si mesmo para poder ser você. – Balancei a cabeça – Isso tem algum sentido? – Tentei dar um meio sorriso.

- Sim. – Ele continuava sério. – Tem, ao menos para mim. Tem.

- Você está certo. – Estava me sentindo tão entorpecida pelo perfume dele que foi difícil me concentrar até para formar as frases. - Não somos tão diferentes.

Segurei em seus ombros e me confortei até ter seu rosto na altura do meu, eu sentia sua respiração calma e fresca contra minha face. Ele firmou o abraço ao meu redor, entendendo o que eu tinha em mente.

O toque dos lábios veio a seguir, o inicio de um beijo ritmado, calmo... Delicioso.

Eu o senti sorrir enquanto Ben me puxou e me deitou no colchão, deixando-me abaixo dele.

- Finalmente... – Ouvi um murmuro rápido que também me fez sorrir antes da sua língua encontrar a minha de novo.

Quem disse que um diamante era a coisa mais poderosa do mundo sobrenatural, nunca beijou Benjamin Bertrand.

Ele afastou seu rosto do meu e puxou meu pulso e beijou minha cicatriz.

- Ben... não é... ruim demais pra você?

- Ruim?

- O cheiro do sangue. – Eu queria buscar melhores palavras, mas não tive tempo de encontrá-las. – Quando você fica... Perto assim.

Ele pareceu pensar um pouco.

- Você não é humana. – Ele começou. – Cada criatura tem um cheiro diferente, os dos humanos são os mais... tentadores. Acredito que só as pessoas como eu são capazes de sentir as diferenças, o cheiro, o gosto. É como quando você está com fome e da de cara com seu prato preferido, eles são o maior problema. Entende?

- Entendo. – Resmunguei.

- E há também um motivo pessoal...

- Qual? – Perguntei tentando fazer uma cara presunçosa.

Ele se aproximou do meu rosto de novo e senti sua boca deslizar pelas minhas bochechas, até chegaram perto dos meus ouvidos.

-O desejo pelo seu corpo é maior do que pelo seu sangue. – Ele sussurrou.

Eu senti as mesmas bochechas queimarem e ele outro risinho abafado, deitando-se ao meu lado, puxando-me para perto dele, eu me aninhei no seu abraço, deitando minha cabeça em seu ombro.

-Ben, posso te pedir algo?

- O que quiser.

- Um dia, você vai me contar sobre você? Como, quantos anos você tem?

Ele suspirou pesadamente.

- Nasci na Itália como humano, fui transformado com vinte anos de idade. – Ele deu de ombros.

- Há quanto tempo foi isso?

- Há algum tempo. – Entendi que não conseguiria mais nada aquela noite.

Mas isso não era tão importante na verdade... Qual diferença o passado poderia fazer agora?

- Sabe, há uma coisa em que você é igual a sua avó. – Ele voltou a falar. – Bem, vocês são o oposto uma da outra, ela era calma e meiga. Mas tem uma coisa em que você são completamente iguais.

- O que?

- A coragem. – Ele beijou minha testa.

Eu nunca senti tanto orgulho de mim mesma na vida.

E também nunca tive tanta certeza de algo. Cherrie estava certa, Cherrie sempre está certa.

Eu estava apaixonada por Benjamin.

E nos braços dele, adormeci.