segunda-feira, 13 de junho de 2011

Capitulo dezenove: Presente.

- Eu a odeio, quero ter Marek de volta. – Brige resmungou ajeitando o uniforme da aula de preparação corporal na segunda feira.

- Você nem teve aula com ela ainda. – Ri.

- Não importa, eu quero Marek de volta. Vocês ainda o terão em Técnica em duelo, devia ter nascido bruxa em vez de metamorfa, a senhora Leonidas não precisa nem mudar de forma pra assustar. – Dramatizou.

- Parem de fofocar feito duas velhas e vamos pra aula. – Cherrie interrompeu com um sorriso.

Descemos os gramados, a maioria da sala já estava lá.

Ben logo apareceu a nossa frente.

- Em cima da hora. – Disse enquanto passava os braços pela minha cintura.

- É primeira semana de aula, anormal é algum aluno no mundo não estar num estado meio-zumbi. – Brige reclamou.

- Falado sobre as férias? As minhas foram incríveis. – Ouvi uma voz perto. Quase havia me esquecido dela.

Lia sorriu quando me virei para encará-la.

- Roma é sempre tão linda. Você se lembra da Roma, não é Benjamin?

- Se concentre na aula Lia, nos esqueça um pouco. – Bem respondeu.

Lia revirou os olhos e com seu sorriso nojento, se afastou.

- Definitivamente não senti falta dela. – Ironizei.

- Todos em fila. – A voz da professora McKenzie interrompeu as outras.

O vampiro Vicente Pêron, a fada Lory MacKenzie, e bruxa Melanie Novaes, agora de volta ao antigo cargo, nos colocaram para correr. Literalmente, depois de uma sessão de alongamentos fomos correr pelos gramados da escola. Professor Pêron liderou os vampiros e logo eu os perdi de vista, eles são rápidos, você sabe.

E para minha surpresa, eu também era bem rápida, acredito que só graças ao treinos extras com Marek, mas mesmo assim tive que diminuir meu ritmo para que Cherrie e Brige pudessem me acompanhar.

A aula não demorou a passar.

- Gabriela Alcântara? – A voz da professora Novaes rompeu o gramado no fim da aula. Sinalizei para que Cherrie e Brige seguissem em frente, junto com s outros alunos.

- Sou eu. – Respondi entre respirações pesadas. Estava cansada pela corrida.

- Muito prazer, minha querida. Ouvi falar muito de você.

- Ouviu?

- Claro. Nem todos os alunos aqui são netos de heróis.

Oh não, por favor, achei que a parte me que todos perguntavam sobre minha avó havia acabado depois do primeiro mês de aula.

- Ah... – Me contive para não sair andando com raiva da professora, era algo que eu faria antes.

- Você me parece uma garota de muito potencial, minha querida, eu gostaria de trabalhar nisso em você. – Tudo bem, ela estava sendo legal demais comigo, não sei era por isso ou pelo seu tom de voz quando dizia ‘minha querida’ mas eu não estava me sentindo bem perto daquela mulher.

- Obrigada, mas o professor Marek já me ajuda com treinos individuais. Acho que se tivesse mais aulas ficaria sobrecarregada.

- Ah, claro. Marek Giatti. – Outra vez a aquele tom, como se ela tivesse uma piada maliciosa interna. – Mas você pode vir falar comigo sobre qualquer coisa querida, estou aqui para te ajudar. – Ela deu um sorriso amigável. – Vou ficar de olho em você.

- Gabriela! – Eu queria responder, mas a professora encarou o chamado de Ben como uma deixa para sair.

Logo ele parou ao meu lado, a frentes dos outros vampiros que haviam voltado junto com o professor Vicente.

- Hãã... Interrompi algo importante? – Ben perguntou encarando minha expressão confusa.

- Não. – Respondi. – Mas acho que agora concordo com Brige, quero Marek de volta.

Tap, tap, tap... O chão estalava forte enquanto eu corria.

Tap, tap, tap... Não havia tempo para prestar atenção a minha volta, mas eu sabia onde estava, embora não lembrasse como havia ido parar lá.

Os corredores do Instituto Ametista pareciam me sufocar, labaredas vermelhas dançavam nas tochas, não era o feitiço do fogo frio, essas chamas iluminavam mal, eu quase não podia ver o que acontecia. Mas não havia tempo para saber, eu tinha que correr... Correr de que?

Meus pulmões pesavam, meus pés doíam, havia uma ventania fria colidindo contra meu corpo, fazendo o meu vestido cinza estapear minhas pernas.

De onde vinha a ventania? De onde vinha o frio? Uma saída. Corra para a saída.

Gabriela... Gabriela... Gabriela...

Um murmúrio chamava as minhas costas. Eu continuei correndo.

Ah garotinha detestável, quer brincar de esconde-esconde? Talvez você encontre sua alma em algum lugar...

Frio aumentava a cada passo? A saída estava perto?

Isso no chão é gelo?

Ah não... Você não pode encontrar sua alma... Eu devorei sua alma, meu monstrinho querido, por isso eu tenho que pegar você...

E de repente eu estava no chão... Era tanto frio. Onde estavam minhas pernas? Eu não podia sentir minhas pernas.

Estava nevando. Nevando no corredor da escola, nevando sobre mim.

O murmúrio havia se transformado em uma gargalhada estridente, as chamas cresciam e iluminavam os quadros. Não eram mais aquelas belas pinturas dos sorrisos gentis das criaturas mágicas mais importantes, eram outros rostos. Rostos que eram importantes apenas para mim.

Mamãe, vovó, Cherrie, Brige, Ben e Marek. Todos me encarando. Todos com os olhos totalmente brancos e a face manchada com lágrimas de sangue.

Todos mortos.

Todos rindo de mim.

Acordei em um pulo. Os cabelos grudados na minha pele suada e meu coração acelerado. Minhas companheiras de quarto continuavam a dormir como se nada tivesse acontecido.

Mas nada havia realmente acontecido.

Me enrolei na coberta. Minhas pernas tremiam e meu corpo estava quase encharcado de suor frio.

Os olhos brancos e as lagrimas de sangue. Já era a segunda vez que isso acontecia em um dos meus sonhos.

Depois de uma hora tentando dormir, caminhei para o chuveiro, deixando a água quente escorrer demoradamente sobre mim. Sob protestos de uma Cherrie já acordada na porta vesti meu uniforme e sai de lá.

- Isso, acabe com toda a água do mundo e nos atrase pra aula! – Exclamou.

- Bom dia Cherrie! – Ironizei.

– Shiiiiu! Você vai acordar Abgail e Anastásia. – Ela sussurrou apontando para as gêmeas que ainda dormiam. Cherrie tinha o costume de levantar mais cedo que todas nós para se arrumar. Você sabe, ela é meio perua.

- Claro, eu que quase derrubei o quarto todo. – Sussurrei de volta. Ela me mostrou a língua.

- Ah, eu pensei ter ouvido algo e aquilo estava na porta. É pra você. - Ela apontou para minha cama. – Agora, com licença. -Ela entrou no banheiro.

Fui até minha cama e encarei uma pequena caixa branca, meu nome escrito em uma caligrafia curvada na tampa. Devagar, puxei o laço de cetim dourado que a amarrava.

Abri o pacote. Minha garganta secou.

Haviam dois frasquinhos do vidro, um com água e outro com sangue, um prato de prata e um lenço feminino bem antigo, com direito a renda e inicias gravadas.

Por último vi um pequeno bilhete, a mesma caligrafia inclinada dizia:

“Você quer as respostas? Sabe como encontrá-las.

E cuidado com as lágrimas, foi a parte mais difícil.

Beijinhos”

Encarei o lenço de novo, especificamente, as inicias bordadas nele.

A.P.

Amélia Pellegrini.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Capitulo dezoito: Retorno.

O tempo é algo engraçado.

Verdade, você sempre pensa “Somente semana que vem” “Mês que vem” “Ano que vem”... E quando se da conta, o tempo passou.

Quando me dei conta, estava arrumando as malas para as de férias em julho.

- Vocês vão para Londres um dia me ver, não é? – Brige pediu.

- Brige, são três semanas e não três meses. – Respondi.

- Por isso eu gosto de você, Gabriela, é sempre tão doce. – Ironizou.

- Já disse que vamos, Brige, só mandar uma mensagem. – Sorri.

- E vamos. - Cherrie completou.

- E você vai pra onde? – Perguntei a Cherrie.

- Vou passar a primeira semana com mamãe, papai e Lucy. Depois os três vãos para a Austrália e volto para a escola.

- Austrália? - Perguntei

- Brad, Carmem e Jéssica são australianos, Brad nos convidou para surfar nas férias. Mas eu preferi voltar mais cedo.

- Preferiu voltar mais cedo para se meter nos seus “estudos” – Fiz aspas com os dedos no ar – de mediunidade, não é?

- É. – Respondeu simplesmente.

- Miguel vai voltar mais cedo também? – Brige riu.

- Vai. Mas essa parte é um detalhe particular, portanto ruiva, segure sua língua. – Cherrie respondeu.

- Porque você se preocupa tanto em guardar segredo? – Perguntei.

- Sr e Sra Katashi e principalmente Lucy. – Deu de ombros. – Minha família é meio complicada, vocês não entenderiam.

- Tudo bem, então. – Brige tentou sorrir. – Por Deus, Cherrie, nem se eu fosse um polvo gigante e cor de rosa com vinte tentáculos usaria todas essas roupas. E eu posso ser um.

- Estou acabando já disse. – Cherrie mostrou a língua.

Eu sorri fechando a minha única mala de mão.

Vinte minutos se passaram até que Cherrie fechasse as suas duas enormes malas, e mesmo assim ela e Brige só se despediram quando Lucy apareceu no quarto para chamá-las.

- Você não vem? – Lucy perguntou para mim quando as três estavam saindo do quarto.

- Vou pegar os portais abertos depois do almoço. – Respondi.

- Ah tudo bem, Tchau Gabriela. – Lucy sorriu.

- Não se esqueça que você prometeu me visitar.

- Não vou esquecer Brige. – A porta se fechou lentamente e escondendo todos os sorrisos e acenos de mim.

Fiquei um tempo olhando pro quarto. Sem Cherrie, Brige ou as gêmeas era um pouco estranho. Quero dizer, eu estava estranha. Ia sentir falta das garotas e não sentia falta de outras pessoas que não fosse minha mãe... Ou minha avó.

Como vivi tanto tempo no mundo humano sem ter amigos?

- Amore mio. – Ouvi na porta.

- Ben. – Sorri ao ver que ele trazia mais uma rosa branca na mão.

Nos finais de semana, quando a flor murchava, ele me trazia um novo botão.

- Está pronta? – Peguei a rosa e deixei que ele me envolvesse num abraço.

- Sim.

- ei rabugenta, Você está entrando de férias ou saindo? Anime-se.

-Não me chame de rabugenta. – Brinquei – Só estava pensando.

- Em que?

- Em mim. Em com era antes de vir para cá e em como sou agora.

- Em que conclusão chegou?

- Na verdade nenhuma. – Deixei minha cabeça cair na curva do pescoço de Ben.

- Onde você vai passar suas três semanas livres? – Perguntei.

- Aqui.

- Férias? Na escola? – Pasmei, rodando meu corpo para encará-lo.

- Eu não tenho exatamente outro lugar para ir, ou quem visitar. –Ele deu de ombros brincando com um cacho do meu cabelo.

- E antes de você vir para cá? Onde estava?

- Institut Marie Lefebvre, na frança.

- Então, você se forma em uma academia e vai para outra fazer tudo de novo? Santa Glinda do norte! Pretende se formar em todas as escolas do mundo?

- Sinto-me seguro nas academias, tenho medo de andar por conta própria novamente e fazer coisas de que vou me arrepender.

- Passe as suas férias comigo então. – Pedi.

- Já entramos num acordo sobre isso, não foi? – Ele resmungou contra meus cabelos.

- Tudo bem... Só visitas. – Sorri. – Me acompanha até o portal?

- Claro. – Ele sorriu e pegou minhas duas malas.

Passa mais tempo em casa não foi exatamente o que eu que eu esperava. As breves passagens de fim de semana eram mais divertidas do que passar dias e dias seguidos.

Fiquei feliz por ver minha mãe e poder passar mais tempo com ela, mas ela tinha o emprego no mundo humano, secretario de um dos melhores consultórios de dentistas daqui, então eu ficava sozinha em casa.

E o fato que antes eu interpretava como uma dádiva, agora, me deixava entediada e irritada.

Recebi algumas cartas de Cherrie e Brige, mas nada de animador.

Nada até a segunda semana, ao menos.

- Você disse que ele vem amanhã, não é? -

- Disse mãe. – Sorri, virando meu olhar para minha mãe parada perto da porta.

- Eu convidei um vampiro para o almoço de sábado. Não tire meu direito de estar perturbada. – Mamãe revirou os olhos.

- Ele não vai beber aqui, mãe. Nem comer. Você diz almoço, mas é só uma visita. – Dei de ombros.

- Não, é um almoço. Porque tomei a liberdade de convidar outra pessoa. – Mamãe arqueou as sobrancelhas,

- Quem? – Perguntei.

- Surpresa. – Minha mãe riu e fechou a porta.

Ela nunca vai crescer.

Voltei a ler o livro, mas logo peguei a carta de Ben para reler.

Cartas, é, desde o primeiro dia no instituto elas se tornaram mania.

A letra dele era inclinada e linda, como se dançasse pelo papel branco, respondendo meu convite para uma visita.

“Amore mio, sinto sua falta” Era o que encerrava a carta.

Sorri como boba para o papel.

Acordei ansiosa e curiosa para a surpresa de minha mãe na manhã seguinte, embora só fosse descobrir nossa segunda visita quando ela chegou. E bem... fiquei realmente surpresa.

- Pro-porfessor? – Perguntei perplexa ao atender a porta. – O que você esta fazendo aqui?

- Eu pensei que tivesse sido convidado, oras.

- Ah, desculpe. Minha mãe não me...

- Marek! – Mamãe saiu radiante da cozinha. – É bom ver você.

-Andy! – Ele sorriu passando por mim e esquecendo-se da minha existência.

Tudo bem, então... Vou precisar de um tempo pra me acostumar com isso.

- Ainda é sua favorita? – Marek mostrou o embrulho branco que trazia as mãos para minha mãe.

- Torta de morango. É sim.

Ah, Deus,com certeza muito tempo para em acostumar com isso.

Toc-toc-toc. As batidas na porta aberta foram ritmadas.

Meu coração saltou de alegria, quando eu o vi, inconsciente, joguei meus braços ao seu redor e o abracei.

- Ben!

- Amore mio.

Ele trouxe uma nova rosa branca pra mim e uma amarela para minha mãe, o que serviu para amaciar o coração dela.

Almoçamos, bom, exceto Bem que disse que já havia se alimentado, e Marek nos convenceu a jogar futebol no quintal de casa, e olham foi divertido, eu já estava me sentindo sufocada em sentimentos sem poder gastar as energias de novo.

Foi tudo tão despreocupado, alegre... Como se fossemos pessoas comuns, melhor, como se fossemos uma família comum.

Uma família.

Cherrie ligou no dia seguinte para contar que já estava em seu “trabalho” junto com Miguel, a maior novidade desse e dos dias seguintes. Até Brige que não passava 24 horas sem dar um sinal de vida, parou. O que me preocupou, se quer saber.

E então, como sempre, o tempo passou.

Minha mãe me levou até o portal como no início das aulas, mas dessa vez eu não senti mal em atravessar os portões.

Mas ao encontrar Brige, Cherrie e Miguel sentados no gramado, os bons sentimentos mudaram, para pior.

- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei, havia algo de pesado no ar.

- Oi Gabs! – Brige sorriu. – Sentiu minha falta?

- Na verdade senti. Porque você sumiu? – Sentei-me no gramado junto a eles.

- Problemas... Com a minha mãe... Ela sofreu um ataque do coração.

- Como? Um infarto? Deus, ela está bem? Você esta bem? Como...

- Tudo bem, tudo bem! Ela já recebeu até alta, dois dias atrás, mas bem, só não foram exatamente as melhores férias da minha vida.

- Eu sinto muito... Você podia ter me dito antes, eu queria ajudar em alguma coisa.

- Exatamente o que eu disse. – Cherrie completou.

- Só não estava num bom momento, lha, está tudo bem agora, não podemos mudar de assunto?

- Que seja. – Murmurei.

- Bom, seu assunto preferido vem vindo ai, Gabriela. – Cherrie sorriu.

- Que ass...

- Olá. – Senti o hálito fresco em meu pescoço.

- Ben! – Sorri sentindo-o me envolver em um abraço.

- Miguel, Benjamin... é, voltem a me consolar antes que eu em sinta um candelabro completo. – Brige riu.

- Bom, quando Lucy chegar eu serei forçado a correr. – Miguel reclamou.

- Hey, sem alfinetadas! Já conversamos sobre isso antes. – Cherrie devolveu o tom.

- Sua irmã é complicada, entendi, não precisa repetir.

- Ótimo.

- O que esta acontecendo lá? – Perguntei observando uma grande movimentação perto as escadas da escola.

- Não sei. Vamos ver? – Brige perguntou, mas já estava de pé antes de ouvir a resposta.

Passo a passo, nos aproximamos da multidão.

- Não da pra ver nada. – Miguel reclamou.

- Mas da para ouvir. – Ben respondeu.

- Ótimo, senhor sentidos aguçados, o que você ouve? – Brige perguntou.

Bem franziu as sobrancelhas.

- A professora Melany Novaes. – ele resmungou.

- A que está sumida desde o começo do ano? O que aconteceu? – Indaguei.

- Ela voltou.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Capitulo dezessete: Rosas.

- Eu fiz um novo plano. – Cherrie falou. – Não é um plano bom, mas foi o único acordo que consegui fazer com Miguel. Vocês sabem, sobre o espírito.

- E qual é? – Brige perguntou.

- Um adiamento, não um cancelamento.

- Então você vai fazer mesmo isso? – Perguntei.

- Vou. Mas não antes das férias de julho pelo menos, eu preciso aprender a controlar. Miguel concordou em me ajudar.

- Mas Miguel não é um médium tão bom assim, quero dizer, ele só tem três anos a mais nisso do que você. – Resmunguei. – Ainda é arriscado.

- Talvez ele seja novo como eu, mas Miguel ainda é tudo o que eu tenho. – Respondeu.

- Só tome cuidado. – Retruquei.

- Você se preocupa por minha causa ou por causa do que Marek disse?

- Na verdade, as duas.

- Tudo bem, pratique com Miguel, depois descobrimos o que fazer. – Brige finalizou.

Suspirei olhando ao redor. Horário de almoço. Todos os alunos no salão, todos eles.

Inclusive Lia a alguns grupos de distancia. Baixei os olhos.

Ela havia me ignorando completamente todo o dia.

Isso era bom, não?

- Não se preocupe tanto, Gabs, ainda mais com ela. – Ouvi Brige distante.

- Não estou preocupada com ela. – Retruquei.

- É, acho que você devia se preocupar com outra coisa agora. – Cherrie sussurrou.

Virei –me e a poucos metros atrás de mim vi Pietro, a gravata listrada frouxa sob a camisa social branca, sério, como sempre.

- Gabriela. – Disse quando se aproximou. – Posso ter um minuto com você?

- Pode dizer o que quer fazer? - Brige interrompeu, em seguida chiou de dor por uma cotovelada que levou de Cherrie.

- Somente uma conversa. – Pietro respondeu assim mesmo.

- Tudo bem. – Levantei-me da mesa do almoço. – Só uma conversa. – Ele acenou para que eu o seguisse até fora do refeitório.

Apenas encarei meus sapatos enquanto nos dirigíamos para fora do salão.

- Gabriela. – Pietro começou a falar, ainda de costas para mim, quando chegamos ao outro salão. – Acho que temos esclarecimentos a serem feitos.

- Olha, você pode não acreditar, mas eu não queria machucar ninguém, nem mesmo Lia, mas tente se colocar em meu lugar por um momento. Ela me atacou também.

- Escute um minuto. – Ele me interrompeu. – Nós, eu e minha irmã, devemos desculpas a você pelo nosso comportamento na última noite.

- Não acredito que Lia venha me pedir desculpas.

- E não virá, esse é o meu ponto Gabriela, não ocorreram danos permanentes e ambas as partes erraram, portanto, considero justo que você esqueça o acidente e não perturbe Lia de novo.

- Não entendi. Você quer se desculpar ou dizer que eu não devo provocar mais nada?

- Os dois.

- Ótimo. Nunca tive intenção de falar com Lia, de qualquer forma. – Retruquei.

- Perfeito. – Pietro murmurou.

- Só isso? – Perguntei

- Na verdade, há mais uma coisa. – Pietro continuou. – Espero que mantenha sua palavra de esquecer o ocorrido, porque eu irei até o fim para defender minha irmã em qualquer situação.

- Isso me soou como uma ameaça. – Cruzei os braços.

- Encare como um aviso amigável. Nós, os Pellegrini, não gostamos de manter inimigos.

- Você não parece uma má pessoa Pietro, mas deve conhecer a irmã que tem. Eu vou manter distancia dela, mas ela vai manter de mim?

-Eu cuidarei disso pessoalmente. – Garantiu estendendo-me a mão.

- Ótimo. – Apertei sua mão em sinal de acordo.

- Gabriela, tudo bem? – Soltei e me virei bruscamente ao ouvir a voz.

Ben e Marek nos encaravam.

- Tudo. – Respondi. Ben encarava mais a Pietro do que a mim.

- Vocês pensam que sou algum tipo de mostro insano? – Pietro riu baixinho, sem humor nenhum.

- Não Pietro. Só acho que você é insano quando se trata de Lia. – Ben resmungou. – Brige nos contou que você procurou Gabriela.

- A garota ruiva não? Metamorfa corajosa e enxerida.

As badaladas dos sinos soaram. Fim da hora do almoço.

- Acho que você tem de voltar para sua aula. De qualquer forma, não os incomodarei mais se não for necessário. – Pietro disse olhando em meus olhos, antes de se afastar.

- E você sabe que não sou o maior problema aqui, Marek. – O ouvi murmurar enquanto ia embora.

Logo o salão foi invadido por alunos.

***

“Ele me assusta, com aquelas roupas estilo Hercule Poirot e aquele olhar de eu sei o que você fez no verão passado”

Ri para bilhete que Cherrie me passou na aula, enquanto o professor Maloes falava sobre alguma coisa que eu não me importei em descobrir o que era.

Porque as últimas aulas sempre são as que mais demoram a passar?

“A pose é maior que a atitude. Pietro não é tão mal assim”

Escrevi abaixo da mensagem dela.

- Ferdinando, não se importa de me emprestar Gabriela Alcântara pelo resto de sua aula, não é? - Quase pulei assustada do banco ao ouvir meu nome. Marek estava na porta da sala de aula.

- Não. – O professor gesticulou para que eu saísse.

- Obrigado. – Marek respondeu enquanto Cherrie amassava o bilhete e u enfiava meus livros dentro da bolsa.

Sai sussurrando um tchau para Cherrie.

- Se importa em perder a última aula de hoje para uma atividade extracurricular? – Marek perguntou pegando minha bolsa e a jogando nas costas.

- Minha próxima aula é astronomia, eu a perderia por qualquer coisa.

Marek riu.

- Não se acostume, vamos arrumar um horário separado para isso.

- Isso o que? – Perguntei.

- Me siga.

- Acho que não é uma boa ideia. – Resmunguei olhando a bola de futebol na mão de Marek.

- Pensei que você gostasse de futebol.

- De assistir, não de jogar.

- Deixo você sair com a vantagem de um a zero.

- Tudo bem, só não entendo o porquê você me tirou da aula pra isso. – Disse procurando algo para prender o cabelo dentro da mochila que agora estava no chão, fiz um rabo de cavalo e joguei a bolsa pra fora da campo que era geralmente usado para as aulas de preparação corporal.

- O que você sentiu quando atacou uma Pellegrini na última noite? – Marek perguntou.

- Porque todo mundo insiste em esquecer que ela me atacou primeiro? Que inferno. – Revidei.

- Responda.

- Raiva. Muita raiva. Eu parei de pensar, me desliguei do resto. Só sentia raiva.

- Parou de pensar, você não quis atacar. Quis? – Ele suspirou.

- Não, na verdade não sei como fiz aquilo. – Murmurei.

- Exatamente onde eu quero chegar. – Marek sentou-se no gramado e eu o imitei, deixando-me cair do seu lado.

- Minha raiva? – Perguntei.

- Não. Você não saber como fez aquilo. – Respondeu.

- Ah... Ben disse que acha que sou uma bruxa mais forte do que penso ser.

- E Benjamin está certo, por isso nós temos de trabalhar suas emoções. Você não pode perder o controle.

- Mas foi a primeira vez que aconteceu alguma coisa assim. – Resmunguei novamente.

- Mas não a primeira vez que você se sentiu assim, não é? Não era apenas raiva, era? – Marek perguntou.

- Isso é tão confuso. – Apoiei minha cabeça nos joelhos. – Acho que eu estou ficando louca.

- Quanto mais louco mais interessante. - Ele deu um tapinha nas minhas costas. – Agora pare de fazer corpo mole. Vamos dar uma canseira nessas suas emoções.

Marek em puxou pelo braço e me fez ficar de pé.

- Tudo bem. E olha, eu posso não saber chutar, mas sei correr. – Lancei meu melhor olhar de desafio.

- Ótimo. E lembra da vantagem de um a zero? Era mentira. – Marek sorriu.

Eu perdi por um gol de diferença, passei quase uma hora e meia correndo pelo campo, caindo na grama, estava cansada e precisava mesmo de um banho.

Só que eu estava rindo.

Quase corri pelos corredores lotados de rodinhas de alunos felizes pelo termino da última aula do dia, empenhei-me em não olhar para o rosto de ninguém enquanto corria para o dormitório sonhando com o banho que me esperava. Quase trombei com Cherrie, Brige e as gêmeas saindo do quarto enquanto entrava.

- Você veio de que guerra? – Brige perguntou.

- Longa história. Conto no jantar, depois que tomar um banho. - Sorri

- Boa sorte com isso.

Fechei a porta do quarto, peguei a primeira roupa da gaveta e fui para o banheiro.

Depois de concluir que levaria meia dúzia de lavagens para tirar toda a grama do meu uniforme, enfiei-me no chuveiro de deixei a água quente escorrer.

A sensação foi ótima, tanto que demorei um pouco mais que o necessário para lavar todo o meu cabelo.

Depois de me secar, pentear o cabelo e vestir a roupa que descobri ser uma calça do jeans mais surrado do mundo e uma camiseta cinza, sai do banheiro.

E devo ter pulado uns três metros por causa do susto que levei.

- Desculpe. Cherrie disse que você estaria aqui e a porta estava destrancada. – A voz veio das costas de Ben.

- Tudo bem. – Resmunguei. – Eu estou vestida, se é por isso que você está de costas pra mim.

Ele se virou com um sorriso torto que me distraio o suficiente para que eu demorasse a reparar no que ele trazia consigo.

- Desculpe. – Repetiu se aproximando e estendeu um botão de rosa branca que trazia em suas mãos para mim. – Até Marek anda ajudando mais você com seus poderes do que eu.

- Ben, você não tem de me ajudar com nada. Eu estou bem. – Sorri pegando a flor – É linda.

- O que Pietro disse a você hoje? – Ben perguntou.

Suspirei e o puxei para que ele se sentasse ao meu lado na minha cama.

- Que nós podemos esquecer o incidente desde que eu não perturbe Lia mais. – Carreguei minha voz de sarcasmo.

Ouvi um riso sem humor de Benjamin.

- Mas é o que eu quero na verdade. Esquecer o que aconteceu. – Tombei minha cabeça no seu ombro e distrai-me com o perfume da rosa.

- Podemos tentar fazer isso então. – Ele respondeu acariciando meu cabelo molhado.

- Tenho que buscar um jarro com água para que ela possa durar mais. – Pensei alto enquanto deixava à rosa na escrivaninha ao lado da minha cama.

- Quando ela murchar eu trago outra para você. – Benjamin sorriu e envolveu os braços na minha cintura.

- Você não existe. – Sorri e deixei que ele me beijasse.

- Não me tenha em tão alta conta assim, Amore mio. – Ele sussurrou quando separou seus lábios dos meus.

- Porque eu não deveria?

- Porque eu demorei muito tempo para começar a fazer as escolhas certas.

- Como qual escolha? – Perguntei em esperança de conseguir algo mais que as frases incompletas sobre o passado dele.

- Como a que vou fazer agora. – Sorriu. – Você se lembra da noite em que se apresentou para Lia como minha namorada?

- Ah, lembro. Olha... Eu... – Senti as bochechas queimarem.

- Eu adorei ouvir. – Ele contornou a curva do meu lábio inferior com o dedo. – Só lamentei não fazer isso do modo certo.

- Modo certo?

- É, um pedido. – Ele sorriu e a mão deslizou sobre meu rosto, estava tão próximo que eu sentia sua respiração em minha face. – Gabriela, você poderia me dar a felicidade de aceitar meu coração como seu?

Demorei alguns segundos para processar a pergunta e pensar em uma resposta. E no final só consegui dizer um patético:

-Sim.

O problema é que eu não estava mais apenas apaixonada por ele.

Eu o amava.

Afundei minha mão em seus cabelos e puxei Ben para outro beijo, suas mãos contornaram minha cintura até me puxarem para o seu colo enquanto ele descia os lábios para o meu pescoço. Segurando seu rosto, inverti a situação deixando que meus lábios contornassem curvas de sua garganta, descendo até o ponto em que tiver de começar a brigar com os botões de sua camisa para encontrar mais pele. Desabotoei o primeiro e o segundo, a partir do terceiro Ben me ajudou até que ele se livrasse da camisa.

Suas mãos deslizaram até apertarem meus quadris, me puxando até que nossos corpos ficassem colados, senti seus lábios darem leves chupões no lóbulo da minha orelha enquanto suas mãos acompanhavam minha coluna por de baixo do pano da minha roupa.

Havia uma pequena parte racional no meu cérebro dizendo alguma coisa, mas eu não queria ouvi-la.

Os beijos dele desceram novamente, desta vez no meu ombro, fazendo com que a alça fina da minha blusa caísse. Continuou descendo até que seus lábios chegassem na minha barriga enquanto ele nos deitava.

Ah, cale a boca parte racional idiota.

As mãos subiram pela minha coluna de novo até o feixe do meu sutiã.

- Ben... Benjamin...

- O que? – Ele perguntou antes de subir de novo até meu pescoço.

- Não... Não... Calma. – Murmurei procurando fôlego.

Ben apoiou-se nos cotovelos, me dando algum espaço.

- Não é uma boa ideia. Eu não, eu não... Eu nunca. – Argh, droga, alguém de um tiro na minha cabeça, por favor.

- Nunca? – Ele arqueou as sobrancelhas.

- Eu não tinha nem amigos antes de vir pra cá, imagine alguém com quem...

Ele sorriu. Eu quis ser um avestruz e enfiar minha cabeça dentro a terra. Deus!

-Nada do que você não queria vai acontecer, Amore mio. – Ele me deu um selinho antes de se levantar, procurando pela sua camiseta.

- Eu queria poder lhe oferecer algo melhor que o refeitório da escola, mas janta comigo esta noite? – Ele riu estendendo a mão para mim.

- Claro. – Sorri.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Capitulo Dezesseis: Vendetta.

- Sem chance. – Miguel riu, mas sem nenhum humor. – Sem chance nenhuma.

- Eu não me lembro de ter pedido permissão. – Cherrie cruzou os braços.

Ei, ei, ei. Acho que ela conviveu demais com a minha grosseria.

- Você vem dizer que quer convidar um morto para possuir a sua cabeça e quer que eu faça o que? Fique feliz? Vou te levar a um psiquiatra, isso sim.

- Eu vou fazer isso com ou sem você. – Cherrie resmungou e Miguel escorou a cabeça na porta da biblioteca. Nós estávamos do lado de fora.

- Chêr, você mal teve um primeiro contato. Eu só quero que você entenda que é perigoso.

- Olha só. – Brige interrompeu, foi a primeira de nós duas a ter alguma coragem pra falar. – Nós também não queremos que você frite os neurônios, Cherrie. Vamos com calma...

- Até você, pantera! – Cherrie a acusou.

- Esse pode ser o plano B, então. – Interrompi.

- E vocês têm um plano A? – Miguel perguntou.


Era uma ideia idiota, eu sei.

Mas acho que era melhor do que deixar minha amiga transformar o cérebro em purê de batata. Porque bem, se Miguel acha que isso pode acontecer eu acho que é melhor não arriscar.

A porta estava aberta, havia um aluno em pé ao lado da mesa olhando para um livro, eu não estava perto o suficiente para ouvir o que eles diziam.

Bati na porta para atrair alguma atenção.

- Gabriela – Marek sorriu. – Espere um minuto, sim?

Levou um pouco mais que um minuto para o garoto que eu não conhecia saísse com o livro debaixo dos braços e eu caminhasse para a mesa dele.

- Algum problema com matéria? – Ele perguntou ainda sentando quando cheguei perto o suficiente.

- Não... Não é isso. Eu queria falar com o senhor. – Percebi que ele revirou os olhos quando o chamei de senhor, mas logo gesticulou para que eu continuasse.

- É sobre algo, que na verdade nem é da minha conta, mas acho que eu devia saber... Bem, devido... – Ao fato de que eu e minhas amigas somos curiosas e enxeridas, mas acho melhor guardar a última parte só pra mim.

- Vá direto ao ponto, Gabs.

- O que significa o termo filho do pecado? – Falei.

O sorriso dele murchou e se tornou falso.

- Você ouviu. – Sua intenção era dar um tom de piada, mas saiu como uma lamuria.

- Desculpe por isso... só que eu fiquei um tanto... curiosa...

- Não é algo que você precise se preocupar, Gabs.

- Você não respondeu a pergunta... – Murmurei olhando meus pés.

Marek se levantou e caminhou até ficar mais próximo de mim e colocou a mão no meu ombro.

- Olhe, você sabe o que protege a escola, não é? Da vista dos humanos, da magia negra, dos seres impuros?

- Os selos. – Respondi. – Os sete selos com as sete pedras.

- Isso. As pedras são enterradas ao redor da escola, como a fonte de energia que mantém os feitiços de proteção, o feitiço só pode ser quebrado quando a pedra for.

- Sim... – Marek sentou-se na sua mesa de professor e apontou para o seu lado, eu me encostei a uns três palmos de distancia dele.

-Quando você e Benjamin encontraram o cérbero, ele não estava mesmo sozinho. Duas pedras foram quebradas. Ônix e a Alexandrite.

- Por isso os representantes vieram.

- Para reconstruir os selos.

Pensei por um minuto. Tantas pontas soltas, tantas perguntas...

- Porque querem quebrar os selos? Entrar numa escola? Tem alguma coisa haver com o diamante?

- Não sabemos.

- Mas os selos quebrados não respondem a pergunta. – Resmunguei fitando o perfil do professor, ele virou seus olhos azuis para o meu rosto.

- Pecado, Gabriela. Algo que não deveria ser feito, mas foi. – Eu tive se forçar meus ouvidos para entender todas as palavras, seu tom foi arrastado, um sussurro... um lamento.

- Algo que eles fizeram, não é?

Um calafrio percorreu meu corpo.

- Não algo, alguém. Um filho deles. Mas diferente

Minha mente girou atordoada.

O passado, os medos, as ameaças, as lembranças. Eles trariam tudo de volta. De novo e de novo e de novo. Eles nunca desistiriam?

- Diferente? – Perguntei.

- Não há nada com o que se preocupar. Está tudo sob controle, não vê? Estamos em paz e permaneceremos assim. - Ele sorriu. – E você não deveria saber disso tudo, então, acho que terei de pedir pelo seu silêncio. Se a escola toda souber eu definitivamente vou perder meu emprego.

- Então porque você contou? – A história ainda era um tanto vaga, é verdade, mas foi muito mais do que eu esperava conseguir.

-Os meus sonhos são os mais simples, Gabs... – Ele fechou os olhos e suspirou - Quero me casar e ter filhos, saber que no final do dia eu terei uma família para quem voltar só que quando eu saio desta escola, estou sozinho.

- Eu não entendo. – Olhei para minhas mãos. – Seus sonhos e isso...

Ele fez o que eu menos esperava. Puxou a lateral da camiseta de botões para fora da calça e a ergueu, eu não tive tempo para achar estranho porque a única parte da pele que ele me mostrou, o tamanho de um palmo aproximadamente, estava toda distorcida em cicatrizes. Não como as de cortes como a do ombro de Ben, mas de queimadura.

Arregalei os olhos.

- Acho que assim deve parecer pior do que é... – Ele baixou a camisa - Foi um explosivo mágico, ateou fogo na floresta. Eu cheguei mais perto do que devia e acabei com isso. Não é tão grande, mas foi um tanto grave demais para conseguir remover todas as cicatrizes com feitiços. Essa foi a parte onde eu fui atingindo quando tentava chegar até meus pais.

- Foi naquela época, não é? Seus pais, eles lutaram também?

- Sou de uma família de guerreiros, mas eu os vi cair sem conseguir fazer nada. Gabriela, eu nunca tive irmãos, só tinha um tio, que também lutou e desapareceu. Morreu junto com a esposa e meu único primo. – Marek puxou o ar e seu lábio tremeu, ele queria chorar, mas tinha autocontrole o suficiente para não o fazer em minha frente. Ou ao menos, tentava. – Meus alunos são tudo o que eu tenho, então eu me sinto na obrigação de lutar por eles. Não acho que mentir para você seja a melhor coisa a ser feita agora. Você tem de ter cuidado, entende? Você mais do que ninguém tem de ter.

- Eu sinto muito... De-desculpe... – Gaguejei, havia uma espécie de bolo na minha garganta que não me deixava formar frases completas. – Eu não sabia... Eu...

- Quem não sofre não aprende a lutar, Gabriela. – Ele deu outro meio sorriso triste.

Nunca senti tanta admiração por alguém como sentia pelo meu professor agora.

Marek perdeu toda a família. Toda! E mesmo assim abria um sorriso enorme todos os dias, um sorriso verdadeiro, quando nos chamava de crianças e explicava alguma coisa.

Tão diferente de mim...

Senti-me arrependida de todos os pensamentos ruins que já havia tido sobre ele antes.

Então eu fiz uma coisa que nunca tinha passado pela minha cabeça antes, joguei os braços em volta do pescoço dele e o abracei com todas as forças que tinha.

- Se eu tivesse um pai, gostaria que ele fosse como você.

E era pura verdade.


Não sei qual vai ser a minha cara na próxima aula.

Era meu único pensamento enquanto caminhava pelo corredor. Minha visita a Marek demorou mais do que o planejado, devia ser tarde, já que quase não vi alunos enquanto andava.

Poxa, eu já havia me sentindo constrangida o suficiente só em me despedir. Constrangida porque eu estava confusa, e confusa porque pela primeira vez eu senti falta do meu pai ao invés de sentir raiva por ele ter abandonado minha mãe.

Realmente, não sei com que cara eu vou assistir a próxima aula agora.

- Andando sozinha, Gabriela! Pra onde foi seu eterno protetor? Benjamin já cansou de você? – Assustei-me com a voz tão próxima de mim, virei bruscamente e encontrei Lia rindo.

- Tchau Lia. – Resmunguei e me preparei para voltar a andar.

Ele segurou meu ombro.

- Calma, eu queria falar com você Sabrina. – Os lábios carnudos e vermelhos sibilavam cada palavra com o máximo de sarcasmo possível.

- Harry Potter e Sabrina. Qual o próximo? Jeannie é o gênio? Amélia, se você realmente pensa que é engraçada, pense de novo.

Ela só revirou os olhos. Eu tentei andar de novo, mas ela rodopiou tão rápido que era como se estivesse atrás de mim o tempo todo.

- Eu quero falar com você. – Disse

- Eu não quero falar com você. – Respondi.

- Você pegou uma coisa que é minha. Eu quero ele de volta.

- Uma coisa? – Respondi secamente. – Ben não é uma coisa e não é sua.

- Nem seu. Ou você acha mesmo que ele pretende perder muito mais tempo com essa brincadeira. Olhe para você Gabriela, quem é você perto de mim? Quem você acha que ele vai preferir no final?

- Alguém que não fale dele com fala de um perfume ou um vestido, eu imagino.

- E você tem algum nível de caráter para falar sobre mim? Pode até fazer com ele acredite na sua doçura, mas a mim você não pode enganar pequeno demônio. – Os seus olhos ambarinos quase soltavam faíscas. Mas a raiva era recíproca. Eu estava quase fervendo.

- Era isso que você queria dizer? Ótimo. Entendi o seu recado, a vadia manipuladora e mimada quer quem ela não pode mais ter. Posso ir embora agora?

Não foi uma boa ideia, não foi mesmo uma boa ideia. Mas eu estava furiosa e quando fico furiosa simplesmente não penso direito antes de agir. Só quando Lia agarrou meu pescoço num aperto de ferro eu quase me arrependi.

Mas foi só quase.

- Você sabe quem acabou de insultar? Eu sou uma Pellegrini, entende? Uma Pellegrini! Quem é uma Alcântara perto de mim? Qual a sua importância? Você não é ninguém, pequeno demônio, ninguém!

Eu não sei o que aconteceu, mas foi como se minha consciência tivesse desaparecido. O aperto era forte, tão forte que me fazia perder o ar. E saber que se ela quisesse, podia fazer minha cabeça saltar dez metros para longe do meu corpo só me deixava com mais raiva ainda.

Porque eu só sentia isso: Raiva. O modo como seus lábios se moveram quando ela disse meu sobrenome só me fez sentir repulsa, nojo e raiva. Muita raiva dela.

O fato do aperto se afrouxar não foi o suficiente para mudar meus sentimentos... Eu queria que ela sofresse. Eu desejei causar dor a ela. E Lia caiu de joelhos na minha frente, arfando e apertando a barriga como se tivesse levado um soco ali.

- Pare com isso. – Sua suplica veio seguida de um grito. Um grito agudo que fez meus tímpanos doerem.

Ela te insultou... Insultou Ben... Insultou sua família... Ela merece...

Havia um sussurro em minha menta.Minha voz. Distorcida em amargura e ódio, mas minha voz.

-Po-por-por-favor-vor pa-re. – Lia resmungou e uma parte de mim finalmente enxergou o que estava acontecendo. Lia estava agachada no chão, em algo que lembrava a posição fetal. De seus lábios carnudos um filete vermelho escorria até uma poça abaixo de seu rosto. Ela havia vomitado sangue.

Minha cabeça começou a doer.

Eu fiz isso?

-Eu. Não. Queria. – Falei com uma grande pausa entre as palavras. Eu não queria.

Queria?

Por reflexo me abaixei para ajudá-la a ficar de pé, mas um segundo depois me senti arremessada para longe e pressionada contra o chão. Duas grandes mãos seguravam meus ombros enquanto a figura rugia para mim.

- O que você fez? O que você fez com ela? – Por trás dos olhos sombrios e dos dentes caninos afiados eu reconheci Pietro.

O Pietro sério, calmo, de aparência refinada e elegante estava me atacando.

Ou quase isso.

Eu queria dizer que eu não sabia que estava fazendo, que não fui eu e que eu não queria. Mas tudo que saiu foi:

-E-E-E-EUUNA-NA-NA-ÃO.

Até as mãos que quase afundavam meus ombros contra o piso foram arrancadas de cima de mim.

Ben aparecerá e agarrará Pietro pelo paletó do terno e o empurrava para longe.

Mãos frias segurarem meus ombros, mas dessa vez não me machucavam, me ajudavam a ficar de pé.

Era outro vampiro. Eu quase não o reconheci, mas buscando fundo em minha mente me lembrei que aquele rosto angelical de cabelo cor de areia pertencia ao colega de quarto de Ben, Guilherme.

- Ouvimos o grito. E outros devem ter ouvido também e devem estar vindo. – Ele disse.

- Ben... – Chamei procurando por ele. Pietro estava segurando-o contra uma parede, ambos com a beleza do rosto distorcida em sombras. Ele me ignorou e continuou praguejando.

- Como se você não soubesse da irmã que tem Pietro. Ela procurou.

- Ela podia ter matado Lia. – Pietro retrucou quase rugindo de novo.

Matado Lia? Eu, uma bruxa adolescente matado uma vampira de séculos de idade sem nem pensar direito num feitiço? Ah, por favor. Não, não mesmo.

Eu acho.

De repente, Pietro e Ben se separaram. Não por vontade própria, mas como se tivessem sido arrancados um do outro.

Marek apareceu entre o dois.

Nem me lembrei de me sentir constrangida mais. Era a segunda vez em que eu sentia a maior admiração por Marek na mesma hora.

- Acho que não há nada para se visto aqui, crianças. – Ele resmungou para algo atrás de mim. Como Guilherme havia dito, havia mais alguns vampiros parados encarando a cena.

Porcaria de ouvidos sensíveis.

Um tanto relutantes, o grupo se dissolveu aos poucos e em um silêncio mortal. Guilherme foi o último a ir embora.

- Acho que precisamos conversar. – Marek disse a Pietro e Lia, esta já de pé a lado do irmão.

Mas uma prova de que não havia nenhum estrago permanente. – Benjamin leve Gabriela, eu falo com vocês amanhã. – Completou. Ben logo se pôs ao meu lado.

- Você está bem? – Só movimentei a cabeça em afirmação.

Lia virou seu rosto para nós, definitivamente ela já estava bem recuperada, e a no mesmo tom de desprezo que sempre usava quando falava comigo, disse apenas uma palavra. Mas uma palavra que fez meu estomago esfriar.

- Vendetta. – Eu sustentei seu olhar até Pietro puxá-la pelo braço e eles seguirem Marek.

Ben passou os braços pela minha cintura e me puxou para andar na direção oposta também.

- Nós também temos de conversar. – Ele disse.

Pouco depois percebi que ele estava me conduzindo para a porta do sótão e não para meu quarto.

Eu ainda estava tão confusa com o que tinha acontecido e minha cabeça ainda doía tanto que nem me importei.

Quando chegamos lá ele me sentou no colchão e se pôs a minha frente.

- O que ela fez a você? – Perguntou.

- Só estava sendo ela mesma. – Respondi.

Como se quisesse me lembrar, Ben colocou os dedos frios em volta do meu pescoço.

- A marca da mão dela está em você, amore mio, na creio que você deva ter alguma compaixão com ela. Mesmo que Lia seja a protegida dos Pellegrini alguma lei tem de cair sobre ela. Criaturas mágicas não podem atacar umas as outras.

- Eu a ataquei... Ben, eu a ataquei. E eu não sei como consegui, eu não pensei em nada, eu não controlei nada, eu... Não entendo.

Benjamin me abraçou delicadamente e eu afundei meu rosto em seu ombro.

- Não vai acontecer de novo. – Ele murmurou.

- O que quer dizer vendetta? É italiano, não é? – Perguntei.

- Lia fala muito mais do que cumpre, não a leve a sério.

- O que significa? – Repeti.

- Vingança. – Respondeu. - Mas não há com o que se preocupar, ela não vai chegar perto de você novamente. Eu prometo.

- Eu não tenho medo dela... Eu só não entendo. Como eu fiz aquilo?

- Acho que você é uma bruxa mais poderosa do que pensa.

- Não. Não sou. Eu tenho uma lápis-lazúli, só isso.

- Vocês se prendem demais as definições desses amuletos, eu nunca nem os entendi de verdade.

- Os bruxos não são tão poderosos assim sozinhos, então, não retiramos a magia dos nossos amuletos e a redirecionamos. Cada amuleto define o quanto um bruxo pode ampliar a magia. – Resmunguei. E ouvi um risinho vindo de Ben.

- Então uma pedra que você herda da sua família é mais importante do que o bruxo em si?

- Tem razão, você não entende. – Retruquei.

Ele beijou o topo da minha cabeça.

- Amore mio, eu posso compreender o que você fez, mas é melhor que você se afaste completamente dos Pellegrini agora. Eu sei que Lia procurou pelo que recebeu, mas não sei se Pietro não pensará dessa forma também.

- Ah... Eu arrumei problemas, não é?

- Bom... Você irritou o segundo vampiro mais influente do mundo.

- Você faz um trabalho ótimo em me tranqüilizar. – Ri baixinho.

- Pietro é super protetor com Lia, você tem de ver que ela é irmã mais nova de sangue e de criação dele. Mas ele também é sensato, conhece Lia e não ocorreram danos permanentes. Tudo ficará bem.

- Eu não queria machucar ninguém de verdade, eu só estava com raiva. Não estava pensando direito. – Justifiquei-me uma última vez.

- Eu sei. – Ele disse em meu ouvido.