terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Capitulo Dezesseis: Vendetta.

- Sem chance. – Miguel riu, mas sem nenhum humor. – Sem chance nenhuma.

- Eu não me lembro de ter pedido permissão. – Cherrie cruzou os braços.

Ei, ei, ei. Acho que ela conviveu demais com a minha grosseria.

- Você vem dizer que quer convidar um morto para possuir a sua cabeça e quer que eu faça o que? Fique feliz? Vou te levar a um psiquiatra, isso sim.

- Eu vou fazer isso com ou sem você. – Cherrie resmungou e Miguel escorou a cabeça na porta da biblioteca. Nós estávamos do lado de fora.

- Chêr, você mal teve um primeiro contato. Eu só quero que você entenda que é perigoso.

- Olha só. – Brige interrompeu, foi a primeira de nós duas a ter alguma coragem pra falar. – Nós também não queremos que você frite os neurônios, Cherrie. Vamos com calma...

- Até você, pantera! – Cherrie a acusou.

- Esse pode ser o plano B, então. – Interrompi.

- E vocês têm um plano A? – Miguel perguntou.


Era uma ideia idiota, eu sei.

Mas acho que era melhor do que deixar minha amiga transformar o cérebro em purê de batata. Porque bem, se Miguel acha que isso pode acontecer eu acho que é melhor não arriscar.

A porta estava aberta, havia um aluno em pé ao lado da mesa olhando para um livro, eu não estava perto o suficiente para ouvir o que eles diziam.

Bati na porta para atrair alguma atenção.

- Gabriela – Marek sorriu. – Espere um minuto, sim?

Levou um pouco mais que um minuto para o garoto que eu não conhecia saísse com o livro debaixo dos braços e eu caminhasse para a mesa dele.

- Algum problema com matéria? – Ele perguntou ainda sentando quando cheguei perto o suficiente.

- Não... Não é isso. Eu queria falar com o senhor. – Percebi que ele revirou os olhos quando o chamei de senhor, mas logo gesticulou para que eu continuasse.

- É sobre algo, que na verdade nem é da minha conta, mas acho que eu devia saber... Bem, devido... – Ao fato de que eu e minhas amigas somos curiosas e enxeridas, mas acho melhor guardar a última parte só pra mim.

- Vá direto ao ponto, Gabs.

- O que significa o termo filho do pecado? – Falei.

O sorriso dele murchou e se tornou falso.

- Você ouviu. – Sua intenção era dar um tom de piada, mas saiu como uma lamuria.

- Desculpe por isso... só que eu fiquei um tanto... curiosa...

- Não é algo que você precise se preocupar, Gabs.

- Você não respondeu a pergunta... – Murmurei olhando meus pés.

Marek se levantou e caminhou até ficar mais próximo de mim e colocou a mão no meu ombro.

- Olhe, você sabe o que protege a escola, não é? Da vista dos humanos, da magia negra, dos seres impuros?

- Os selos. – Respondi. – Os sete selos com as sete pedras.

- Isso. As pedras são enterradas ao redor da escola, como a fonte de energia que mantém os feitiços de proteção, o feitiço só pode ser quebrado quando a pedra for.

- Sim... – Marek sentou-se na sua mesa de professor e apontou para o seu lado, eu me encostei a uns três palmos de distancia dele.

-Quando você e Benjamin encontraram o cérbero, ele não estava mesmo sozinho. Duas pedras foram quebradas. Ônix e a Alexandrite.

- Por isso os representantes vieram.

- Para reconstruir os selos.

Pensei por um minuto. Tantas pontas soltas, tantas perguntas...

- Porque querem quebrar os selos? Entrar numa escola? Tem alguma coisa haver com o diamante?

- Não sabemos.

- Mas os selos quebrados não respondem a pergunta. – Resmunguei fitando o perfil do professor, ele virou seus olhos azuis para o meu rosto.

- Pecado, Gabriela. Algo que não deveria ser feito, mas foi. – Eu tive se forçar meus ouvidos para entender todas as palavras, seu tom foi arrastado, um sussurro... um lamento.

- Algo que eles fizeram, não é?

Um calafrio percorreu meu corpo.

- Não algo, alguém. Um filho deles. Mas diferente

Minha mente girou atordoada.

O passado, os medos, as ameaças, as lembranças. Eles trariam tudo de volta. De novo e de novo e de novo. Eles nunca desistiriam?

- Diferente? – Perguntei.

- Não há nada com o que se preocupar. Está tudo sob controle, não vê? Estamos em paz e permaneceremos assim. - Ele sorriu. – E você não deveria saber disso tudo, então, acho que terei de pedir pelo seu silêncio. Se a escola toda souber eu definitivamente vou perder meu emprego.

- Então porque você contou? – A história ainda era um tanto vaga, é verdade, mas foi muito mais do que eu esperava conseguir.

-Os meus sonhos são os mais simples, Gabs... – Ele fechou os olhos e suspirou - Quero me casar e ter filhos, saber que no final do dia eu terei uma família para quem voltar só que quando eu saio desta escola, estou sozinho.

- Eu não entendo. – Olhei para minhas mãos. – Seus sonhos e isso...

Ele fez o que eu menos esperava. Puxou a lateral da camiseta de botões para fora da calça e a ergueu, eu não tive tempo para achar estranho porque a única parte da pele que ele me mostrou, o tamanho de um palmo aproximadamente, estava toda distorcida em cicatrizes. Não como as de cortes como a do ombro de Ben, mas de queimadura.

Arregalei os olhos.

- Acho que assim deve parecer pior do que é... – Ele baixou a camisa - Foi um explosivo mágico, ateou fogo na floresta. Eu cheguei mais perto do que devia e acabei com isso. Não é tão grande, mas foi um tanto grave demais para conseguir remover todas as cicatrizes com feitiços. Essa foi a parte onde eu fui atingindo quando tentava chegar até meus pais.

- Foi naquela época, não é? Seus pais, eles lutaram também?

- Sou de uma família de guerreiros, mas eu os vi cair sem conseguir fazer nada. Gabriela, eu nunca tive irmãos, só tinha um tio, que também lutou e desapareceu. Morreu junto com a esposa e meu único primo. – Marek puxou o ar e seu lábio tremeu, ele queria chorar, mas tinha autocontrole o suficiente para não o fazer em minha frente. Ou ao menos, tentava. – Meus alunos são tudo o que eu tenho, então eu me sinto na obrigação de lutar por eles. Não acho que mentir para você seja a melhor coisa a ser feita agora. Você tem de ter cuidado, entende? Você mais do que ninguém tem de ter.

- Eu sinto muito... De-desculpe... – Gaguejei, havia uma espécie de bolo na minha garganta que não me deixava formar frases completas. – Eu não sabia... Eu...

- Quem não sofre não aprende a lutar, Gabriela. – Ele deu outro meio sorriso triste.

Nunca senti tanta admiração por alguém como sentia pelo meu professor agora.

Marek perdeu toda a família. Toda! E mesmo assim abria um sorriso enorme todos os dias, um sorriso verdadeiro, quando nos chamava de crianças e explicava alguma coisa.

Tão diferente de mim...

Senti-me arrependida de todos os pensamentos ruins que já havia tido sobre ele antes.

Então eu fiz uma coisa que nunca tinha passado pela minha cabeça antes, joguei os braços em volta do pescoço dele e o abracei com todas as forças que tinha.

- Se eu tivesse um pai, gostaria que ele fosse como você.

E era pura verdade.


Não sei qual vai ser a minha cara na próxima aula.

Era meu único pensamento enquanto caminhava pelo corredor. Minha visita a Marek demorou mais do que o planejado, devia ser tarde, já que quase não vi alunos enquanto andava.

Poxa, eu já havia me sentindo constrangida o suficiente só em me despedir. Constrangida porque eu estava confusa, e confusa porque pela primeira vez eu senti falta do meu pai ao invés de sentir raiva por ele ter abandonado minha mãe.

Realmente, não sei com que cara eu vou assistir a próxima aula agora.

- Andando sozinha, Gabriela! Pra onde foi seu eterno protetor? Benjamin já cansou de você? – Assustei-me com a voz tão próxima de mim, virei bruscamente e encontrei Lia rindo.

- Tchau Lia. – Resmunguei e me preparei para voltar a andar.

Ele segurou meu ombro.

- Calma, eu queria falar com você Sabrina. – Os lábios carnudos e vermelhos sibilavam cada palavra com o máximo de sarcasmo possível.

- Harry Potter e Sabrina. Qual o próximo? Jeannie é o gênio? Amélia, se você realmente pensa que é engraçada, pense de novo.

Ela só revirou os olhos. Eu tentei andar de novo, mas ela rodopiou tão rápido que era como se estivesse atrás de mim o tempo todo.

- Eu quero falar com você. – Disse

- Eu não quero falar com você. – Respondi.

- Você pegou uma coisa que é minha. Eu quero ele de volta.

- Uma coisa? – Respondi secamente. – Ben não é uma coisa e não é sua.

- Nem seu. Ou você acha mesmo que ele pretende perder muito mais tempo com essa brincadeira. Olhe para você Gabriela, quem é você perto de mim? Quem você acha que ele vai preferir no final?

- Alguém que não fale dele com fala de um perfume ou um vestido, eu imagino.

- E você tem algum nível de caráter para falar sobre mim? Pode até fazer com ele acredite na sua doçura, mas a mim você não pode enganar pequeno demônio. – Os seus olhos ambarinos quase soltavam faíscas. Mas a raiva era recíproca. Eu estava quase fervendo.

- Era isso que você queria dizer? Ótimo. Entendi o seu recado, a vadia manipuladora e mimada quer quem ela não pode mais ter. Posso ir embora agora?

Não foi uma boa ideia, não foi mesmo uma boa ideia. Mas eu estava furiosa e quando fico furiosa simplesmente não penso direito antes de agir. Só quando Lia agarrou meu pescoço num aperto de ferro eu quase me arrependi.

Mas foi só quase.

- Você sabe quem acabou de insultar? Eu sou uma Pellegrini, entende? Uma Pellegrini! Quem é uma Alcântara perto de mim? Qual a sua importância? Você não é ninguém, pequeno demônio, ninguém!

Eu não sei o que aconteceu, mas foi como se minha consciência tivesse desaparecido. O aperto era forte, tão forte que me fazia perder o ar. E saber que se ela quisesse, podia fazer minha cabeça saltar dez metros para longe do meu corpo só me deixava com mais raiva ainda.

Porque eu só sentia isso: Raiva. O modo como seus lábios se moveram quando ela disse meu sobrenome só me fez sentir repulsa, nojo e raiva. Muita raiva dela.

O fato do aperto se afrouxar não foi o suficiente para mudar meus sentimentos... Eu queria que ela sofresse. Eu desejei causar dor a ela. E Lia caiu de joelhos na minha frente, arfando e apertando a barriga como se tivesse levado um soco ali.

- Pare com isso. – Sua suplica veio seguida de um grito. Um grito agudo que fez meus tímpanos doerem.

Ela te insultou... Insultou Ben... Insultou sua família... Ela merece...

Havia um sussurro em minha menta.Minha voz. Distorcida em amargura e ódio, mas minha voz.

-Po-por-por-favor-vor pa-re. – Lia resmungou e uma parte de mim finalmente enxergou o que estava acontecendo. Lia estava agachada no chão, em algo que lembrava a posição fetal. De seus lábios carnudos um filete vermelho escorria até uma poça abaixo de seu rosto. Ela havia vomitado sangue.

Minha cabeça começou a doer.

Eu fiz isso?

-Eu. Não. Queria. – Falei com uma grande pausa entre as palavras. Eu não queria.

Queria?

Por reflexo me abaixei para ajudá-la a ficar de pé, mas um segundo depois me senti arremessada para longe e pressionada contra o chão. Duas grandes mãos seguravam meus ombros enquanto a figura rugia para mim.

- O que você fez? O que você fez com ela? – Por trás dos olhos sombrios e dos dentes caninos afiados eu reconheci Pietro.

O Pietro sério, calmo, de aparência refinada e elegante estava me atacando.

Ou quase isso.

Eu queria dizer que eu não sabia que estava fazendo, que não fui eu e que eu não queria. Mas tudo que saiu foi:

-E-E-E-EUUNA-NA-NA-ÃO.

Até as mãos que quase afundavam meus ombros contra o piso foram arrancadas de cima de mim.

Ben aparecerá e agarrará Pietro pelo paletó do terno e o empurrava para longe.

Mãos frias segurarem meus ombros, mas dessa vez não me machucavam, me ajudavam a ficar de pé.

Era outro vampiro. Eu quase não o reconheci, mas buscando fundo em minha mente me lembrei que aquele rosto angelical de cabelo cor de areia pertencia ao colega de quarto de Ben, Guilherme.

- Ouvimos o grito. E outros devem ter ouvido também e devem estar vindo. – Ele disse.

- Ben... – Chamei procurando por ele. Pietro estava segurando-o contra uma parede, ambos com a beleza do rosto distorcida em sombras. Ele me ignorou e continuou praguejando.

- Como se você não soubesse da irmã que tem Pietro. Ela procurou.

- Ela podia ter matado Lia. – Pietro retrucou quase rugindo de novo.

Matado Lia? Eu, uma bruxa adolescente matado uma vampira de séculos de idade sem nem pensar direito num feitiço? Ah, por favor. Não, não mesmo.

Eu acho.

De repente, Pietro e Ben se separaram. Não por vontade própria, mas como se tivessem sido arrancados um do outro.

Marek apareceu entre o dois.

Nem me lembrei de me sentir constrangida mais. Era a segunda vez em que eu sentia a maior admiração por Marek na mesma hora.

- Acho que não há nada para se visto aqui, crianças. – Ele resmungou para algo atrás de mim. Como Guilherme havia dito, havia mais alguns vampiros parados encarando a cena.

Porcaria de ouvidos sensíveis.

Um tanto relutantes, o grupo se dissolveu aos poucos e em um silêncio mortal. Guilherme foi o último a ir embora.

- Acho que precisamos conversar. – Marek disse a Pietro e Lia, esta já de pé a lado do irmão.

Mas uma prova de que não havia nenhum estrago permanente. – Benjamin leve Gabriela, eu falo com vocês amanhã. – Completou. Ben logo se pôs ao meu lado.

- Você está bem? – Só movimentei a cabeça em afirmação.

Lia virou seu rosto para nós, definitivamente ela já estava bem recuperada, e a no mesmo tom de desprezo que sempre usava quando falava comigo, disse apenas uma palavra. Mas uma palavra que fez meu estomago esfriar.

- Vendetta. – Eu sustentei seu olhar até Pietro puxá-la pelo braço e eles seguirem Marek.

Ben passou os braços pela minha cintura e me puxou para andar na direção oposta também.

- Nós também temos de conversar. – Ele disse.

Pouco depois percebi que ele estava me conduzindo para a porta do sótão e não para meu quarto.

Eu ainda estava tão confusa com o que tinha acontecido e minha cabeça ainda doía tanto que nem me importei.

Quando chegamos lá ele me sentou no colchão e se pôs a minha frente.

- O que ela fez a você? – Perguntou.

- Só estava sendo ela mesma. – Respondi.

Como se quisesse me lembrar, Ben colocou os dedos frios em volta do meu pescoço.

- A marca da mão dela está em você, amore mio, na creio que você deva ter alguma compaixão com ela. Mesmo que Lia seja a protegida dos Pellegrini alguma lei tem de cair sobre ela. Criaturas mágicas não podem atacar umas as outras.

- Eu a ataquei... Ben, eu a ataquei. E eu não sei como consegui, eu não pensei em nada, eu não controlei nada, eu... Não entendo.

Benjamin me abraçou delicadamente e eu afundei meu rosto em seu ombro.

- Não vai acontecer de novo. – Ele murmurou.

- O que quer dizer vendetta? É italiano, não é? – Perguntei.

- Lia fala muito mais do que cumpre, não a leve a sério.

- O que significa? – Repeti.

- Vingança. – Respondeu. - Mas não há com o que se preocupar, ela não vai chegar perto de você novamente. Eu prometo.

- Eu não tenho medo dela... Eu só não entendo. Como eu fiz aquilo?

- Acho que você é uma bruxa mais poderosa do que pensa.

- Não. Não sou. Eu tenho uma lápis-lazúli, só isso.

- Vocês se prendem demais as definições desses amuletos, eu nunca nem os entendi de verdade.

- Os bruxos não são tão poderosos assim sozinhos, então, não retiramos a magia dos nossos amuletos e a redirecionamos. Cada amuleto define o quanto um bruxo pode ampliar a magia. – Resmunguei. E ouvi um risinho vindo de Ben.

- Então uma pedra que você herda da sua família é mais importante do que o bruxo em si?

- Tem razão, você não entende. – Retruquei.

Ele beijou o topo da minha cabeça.

- Amore mio, eu posso compreender o que você fez, mas é melhor que você se afaste completamente dos Pellegrini agora. Eu sei que Lia procurou pelo que recebeu, mas não sei se Pietro não pensará dessa forma também.

- Ah... Eu arrumei problemas, não é?

- Bom... Você irritou o segundo vampiro mais influente do mundo.

- Você faz um trabalho ótimo em me tranqüilizar. – Ri baixinho.

- Pietro é super protetor com Lia, você tem de ver que ela é irmã mais nova de sangue e de criação dele. Mas ele também é sensato, conhece Lia e não ocorreram danos permanentes. Tudo ficará bem.

- Eu não queria machucar ninguém de verdade, eu só estava com raiva. Não estava pensando direito. – Justifiquei-me uma última vez.

- Eu sei. – Ele disse em meu ouvido.

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