terça-feira, 26 de outubro de 2010

Capitulo nove: Impressionada.

A noite foi tranquila, até demais. O que resultou em um atraso para mim. Não havia sinal de Cherrie ou gêmeas, ou qualquer coisa capaz de andar, rastejar, voar, ou que seja, quando acordei. Grandes amigas!

Concentrei-me em me arrumar o mais rápido possível, e então, correr. Quase me atirei pela porta... Qual era a primeira aula mesmo? Eu devia decorar meu horário logo...

E caramba! Eu devia estar mais atrasada do que imaginei, os corredores estavam completamente desertos. Nenhum sinal de qualquer criatura viva, ótimo! Ou ao menos, alguma criatura visível.

Meus ouvidos detectaram passos, rápidos e altos. Há mais alguém atrasado, afinal.

Eu os segui, mais por extinto do que necessidade. Logo eu encontrei um corpo magro de longos cabelos, que eu reconheceria em qualquer lugar.

- Cherrie! – Chamei e ela se virou apenas de perfil. – Espere! HA! Bom dia para você também, ein! – Exclamei irônica.

O que deve ter sido um erro porque ela saiu correndo. Graciosamente, mas ainda assim, correndo.

- Cherrie! Cherrie espere! – Gritei e sai disparada atrás dela.

Pensei que seria mais fácil, mas caramba, a garota sabia correr!

Não que eu fosse desistir também. Já que minha quase-única amiga estava, aparentemente, desesperada. Será que Brige estava na aula? Ela deve ter conselhos bem melhores que os meus, seja lá para que seja.

Eu gritei seu nome mais uma vez enquanto ela corria, sem sequer olhar pra trás, na direção da saída da escola. Por um momento, enquanto passava pelos grandes portões, pensei tê-la perdido do meu campo de visão, mas depois de alguns passos lá estava o pequeno corpo todo encolhido no ultimo degrau da escadaria. De cabeça baixa, agarrada as próprias pernas.

- Cherrie, você está bem? – Perguntei descendo as escadas, olhando para suas costas.

Silêncio.

- O que aconteceu? E Brige, onde está?

- shhhhh. – Ela fez um chiado triste como se me mandasse ficar quieta. – Perguntas, perguntas, perguntas...

- Cherrie... – Comecei duvidosa me aproximando até estar apenas um degrau acima dela. – O que aconteceu? – Completei pausadamente.

- Shhh! Não é uma boa garota, não é. Detestável, sim. Isso, detestável...

- Ah deus, você precisa ir a enfermaria? Eu não entendo o que você quer dizer...

Ela começou a gritar. Gritar como uma louca.

- Cherrie, Cherrie o que está acontecen... – Entrei em desespero, cambaleando até me manter na frente dela e tentei colocar minhas mãos em seus ombros mas ela revidou e se jogou para o chão. Eu a contornei procurando olhar para o seu rosto que ela mantinha abaixado. Santa Glinda do norte, ela gritava como se alguém a estivesse matando.

- Cherrie, Cherrie!

- Detestável... Detestável... Não há como fugir, há... Não há, você não vai....

- O que... - Eu ia repetir a pergunta, mas a coisa ergueu o rosto para mim. A coisa porque aquilo não era Cherrie. O corpo podia ser igual, mas não era. Os seus olhos estavam totalmente brancos e pior duas lagrimas escorriam, uma em cada olho. Lágrimas vermelhas, lágrimas de sangue.

- O que você fez com Cherrie... – Gaguejei procurando alguma voz que ainda me restasse. A coisa estava de pé agora, na minha frente.

- Não é uma boa garota, Gabriela, não é uma boa garota...

- Onde está Cherrie? – Eu perguntei, agora lutando para me recompor. Encarando de pé a coisa.

Mais lágrimas escorriam dos olhos brancos, manchando de sangue o pescoço, as roupas...

E a coisa sorriu.

- Tão tola, tão tola Gabriela... A morte está atrás de você, a morte vai pegar você... – Aquilo cantarolava.

- O que é você? O que fez com Cherrie?

- Encontrará, há. Encontrará! No inferno!

Ela me empurrou, mas eu não senti o gramado que esperava. Eu cai em algo mais.. Macio e limpo, como estofamento.

Que diabos está acontecendo?

Tudo era escuridão, escuro feito breu. Eu estava sozinha com o meu medo.

Tateei tentando encontrar algo, era sólido, apertado, abafado... E tinha a forma de um... De um caixão.

Então eu estava em desespero. Gritando. Berrando. Urrando.

A sensação claustrofóbica inundou meu peito.

No meio dos meus gritos eu podia ouvir pequenos ruídos abafados, um tilintar contra a tampa.

Eu estava sendo enterrada... Enterrada viva.

- Gabriela! - Ouvi distante.

Eu só fechei meus olhos, o mais forte que podia tentando conter o medo, tentando conter as lagrimas. Era impossível.

Então eu só continuei gritando feito louca mesmo.

- Não... Não... Eu estou viva, viva!

- Gabriela! Acorde! – Senti meu corpo tremer.

- Ah, ah... – Suspirei ofegante... – Não! Há, o que...

- Calma garota, está tudo bem.

Eu abri meus olhos e me deparei com Cherrie, a verdadeira Cherrie com olhos de íris negras.

- Cherrie! Oh, é você mesma? – Perguntei segurando seu braço. Nada de lagrimas de sangue, nada de gritos, nada de correria. Apenas Cherrie.

- Quem você esperava? Madonna? – Ela deu um sorrisinho.

– Mas, você está bem?

- Claro que sim, você é que não deve estar.

- Começou a gritar enquanto dormia. Assustou a todas nós. – Só então eu percebi Anastácia olhando para mim atrás de Cherrie, ao lado de Abgail.

- Desculpem. – Murmurei. – Um pesadelo, foi só um pesadelo. – Só ai me dei conta. E eu nunca havia me sentido tão aliviada em toda minha vida.

Deixei minha cabeça tombar no travesseiro enquanto um coração voltava ao ritmo normal.

Nada havia sido real. Nada.

- Se tudo está bem eu vou voltar para a cama. – Anastácia resmungou.

- Claro, claro... Desculpe. – Murmurei.

- Você está bem mesmo? – Cherrie murmurou para mim.

- Sim, agora eu estou. Só... Bem, posso deixar o abajur aceso? – Perguntei movendo meus olhos para a escrivaninha ao lado da minha cama.

- Claro! – Cherrie riu. – Tente dormir de novo. Ainda temos tempo até a aula.

- Sim, sim. – Resmunguei. – Mas Cherrie, e as suas visõ...

- Boa noite. – Cherrie sorriu me cortando e voltou para sua cama. – Tudo vai ficar bem, agora.

Eu me revirei por alguns minutos, mas depois fitando a luz do abajur, adormeci novamente.

Um pesadelo, só isso. Tudo estava bem.

Então porque eu não conseguia tirar a palavra morte da cabeça?

***

- Então, você acha que eu te enterraria viva? – Cherrie me encarou.

- Não era você. – Dei de ombros. – E foi só um sonho.

- Só o mais horrendo pesadelo, você quis dizer. – Brige interrompeu.

Nós quase sussurrávamos em nossa mesa de almoço. Era dia, dia de verdade dessa vez.

- Gabriela... Eu queria te pedir um favor. – Cherrie começou. – A vocês duas, na verdade.

- Diga.

- Sobre as minhas visões... – Ela suspirou – Eu quero manter sob o máximo de segredo possível.

- Ah, claro. – Me lembrei de quando ela me interrompeu na noite passada, quando tocaria no assunto na frente das gêmeas Osírio.

- Minha boca é um túmulo, só que cheiroso claro. Sem querer te fazer lembrar nada, Gabs.

Eu ri para Brige.

E depois me lembrei das perguntas.

-Cherrie, sobre suas, você sabe... – Diminui o tom de voz.

- Sim, eu também estou assustada. – Ela entendeu antes que eu terminasse. – Não é legal não saber as coisas que você mesmo diz.

Bom, eu sei que Cherrie era quem deveria ter mesmo medo disso, mas se você visse alguém chamar seu nome, dizer morte e desmaiar, também ficaria um pouco impressionado não acha?

- Miguel disse que pode ajudar você a se lembrar... – Brige começou.

- Sim, mas melhor do que me lembrar, ele disse que eu posso me concentrar e saber o que o espírito queria dizer. Porque só as palavras não fazem sentido, vocês as ouviram. “Lutar, Gabriela, Morte” – Ela parou pensativa. – Eu vou vê-lo, depois das aulas.

- E depois de tanta coisa, vocês ainda se lembram da professora Lory mentindo sobre as férias da professora Melany. – Lembrei.

- Oh. Vocês não podem escolher um assunto mais feliz, por favor. O fim de semana está chegando... – Brige começou.

- Sim! – Cherrie sorriu. – Quais os planos?

-Vou para Londres. Mamãe diz que preparou um piquenique para a família toda. – Brige sorriu.

- Vou ver minha mãe. – Fiquei feliz por me lembrar disso. Tínhamos permissão para sair do instituto aos sábados e domingos.

- Vocês têm mesmo dezessete anos? - Cherrie riu.

- Quais seus planos? - Perguntei enfiando uma garfada de torta na boca, quase tinha me esquecido do almoço na minha frente.

- Eu e Lucy vamos ficar na escola. Papai e mamãe resolveram viajar para a Rússia, ou sei lá onde.

- Você vai passar o fim de semana na escola e nós que somos as adolescentes anormais! – Brige riu.

- Touché. – Cherrie ergueu a taça com uma pequena referência.

- Acho que nós devemos nos voltar para o agora e nos concentrar que termos aula de Técnica em duelo, com o professor Giatti.

- Alguém no mundo chama Marek de professor Giatti? – Cherrie riu. – Você pode variar para professor lunático se quiser, mas Giatti!

- Não gosto dele. Ele fala demais. – Resmunguei, me levantando.

- Ele é o melhor professor do instituto. – Cherrie retrucou.

- Nem tente reclamar. Você não tem aula de anatomia mutável. Ainda mais com a professora Dóris Oliveira, em bons termos ela é descrita como diabólica, perversa, maligna, louca... e mais uma porção de adjetivos, mas depois desses eu só me lembro dos mais grosseiros.

- Boa sorte para você, Brige. – Sorri quando nos separávamos para torres diferentes.

- Eu vou precisar!

Eu e Cherrie fomos para a sala e Marek Giatti não demorou.

- Boa tarde bruxinhas e bruxinhos! – Ele riu saltados dois degraus da escada de cada vez. Jogou uma mochila preta na sua mesa quando chegou perto o suficiente para isso. – Eu sou Marek Giatti, e eu sei que vocês já sabem disso, mas técnica em duelo é a minha verdadeira aula e essa sala é o meu reino. – Ele se se sentou na mesa, é, na mesa. – Eu vou chamar todos vocês pelo primeiro nome, portando, eu sou Marek. Nada de senhor, professor ou tio Giatti! E bem, técnica em duelo não quer dizer que você só irão transformar uns aos outros em sapos ou baratas, eu quero ensiná-los a se defender e a atacar um adversário, em caso de NE-CES-SI-DA-DE nada de incentivo a encrencas aqui crianças, e pode ser útil se alguém for um esportista interessado na olimpíadas bruxas, ou sei lá... O fato é que, um bom bruxo precisa saber duelar, isso inclui ataque e, principalmente, defesa. – Ele parou. – Alguma pergunta?

Silêncio.

- Ótimo. – Ele abriu a mochila um estojo e onde tirou um hidrocor preto, que logo começou a girar freneticamente no ar.

- Minha primeira vítima... – Ele arqueou uma sobrancelha. – Você – Apontou para um garoto. Seu nome?

- James Conrad.

- James! Feitiços defensivos. Pense rápido. - O hidrocor que girava se lançou no menino, que quase gritou “protiegun” fazendo o mesmo parar a milímetros dele, suspenso no ar.

- Ótimo! – Marek sorriu. – Mande de volta.

O hidrocor voltou para a direção do professor e parou flutuando, novamente.

- E... A garota loira da primeira fila. – A mesma coisa, caneta arremessada no ar. Parando de frente ao rosto.

- Se nome?

- Mirian Ferreiro. – O hidrocor voltou.

- Nem precisou dizer as palavras em voz alta. Ótima Mirian!

Depois de uns dez nomes, Marek mudou para três canetas de uma vez, na verdade isso foi justamente quando ele mandou as canetas voando para mim.

Ta, sem mania de perseguição.

- Gabriela Alcântara.

- Demetria Forhollow.

- Marília Gonzalez.

- Diego Montrevan.

- Camillus Fell.

- Cherrie Katashi.

A maior parte da aula foi assim. Na verdade, eu quase não percebi que os sinos já estavam batendo.

- Hey, o livro. Pagina 23 tem um texto sobre feitiços de proteção, quero um resumo escrito a mão. É, é. Sou uma pessoa terrível que acha que vocês não têm vida pessoal mesmo, e é para a próxima aula!... Ah, tchau Gabs, Cherrie. – A última parte foi dita enquanto passávamos ao seu lado, em caminho a porta.

Quase jurei para mim mesma que iria socar o próximo que me chamasse de “Gabs” me soava quase tão idiota quanto “Gabi”. Já disse que odeio apelidos, não?

O resto da tarde foi um tédio. Aulas, aulas e aulas.

E bem, não vi Benjamin em lugar algum, há. Evitando-me de novo? Mas quem se importa.

Eu não. Não mesmo. Nem um pouquinho. Nada. E não discuta comigo.

Eu voltei sozinha para o dormitório, Brige foi para a sua torre seu e Cherrie foi encontrar Miguel.

- Ah oi. – Anastácia murmurou para mim, enquanto mexia no seu notebook e Abgail lia “O morro dos ventos uivantes” – Gabriela, você recebeu uma carta. – Ela apontou com a cabeça para a minha cama.

Eu logo reconheci a caligrafia arredondada de minha mãe no envelope que eu rasguei.

Gabriela,

Como vai querida? Eu pensei ter sido clara quando disse que acabaria com você se não me escrevesse. Quer matar sua pobre mãe do coração?

Tem tido melhoras no seu humor com a escola? Fez novas amizades? E quanto as aulas? E os garotos, conheceu algum?

Eu tenho certeza de que o Instituto será maravilhoso! E por favor, se empenhe nisso Gabriela, deixe sua mãe feliz de saber que não tem uma filha totalmente revoltada com o mundo, eu só quero ver você sorrir de verdade, como nos velhos tempos...

Me mande noticias, urgentemente. E nada de e-mails, não me entendo com essa tecnologia traiçoeira, você sabe.

Cuide-se querida.

Com carinho, mamãe.

Eu ri da carta. Tão típico de Andrea Alcântara!

Peguei um pedaço de papel e comecei.

Mamãe, sem toda sua histeria, por favor. Vamos nos ver no final de semana.

Está tudo ótimo, e hey, acho que tenho duas amigas. Ou ao menos o mais próximo disso desde os meus onze anos de idade. Feliz agora?

E tudo bem, admito que a escola não é tão ruim assim, na verdade é divertido. – O que? Não custava nada alterar um pouco a realidade para minha mãe ficar feliz. – Mas ainda sim, mal posso esperar pelo fim de semana. Prometo que responderei seu interrogatório com todos os detalhes que você quer. – Ta ta,eu não quis tocar em nomes de garotos, ainda mais os que começam com B. Mas não custava nada escrever o que minha mãe queria ler, oras!

Te amo e estou com saudades, Gabriela.

Ps. Você conhece Marek Giatti?

Enviei minha pequena carta no dia seguinte.

Eu dormi tranqüila. Sem mais pesadelos ou visões de Cherrie, ou qualquer coisa de Benjamin.

Parecia que eu estava voltando a normalidade.

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