domingo, 17 de outubro de 2010

Capitulo oito: Veneno

- Benjamin! – Chamei de novo. Eu sabia que ele havia ouvido da primeira vez, era impossível não ouvir já que ele era um vampiro. Então, ele estava apenas me ignorando.

O seu rosto estava com as expressões duras quando olhou para mim.

Eu parei de frente para ele. Deus, bonito parecia até uma ofensa olhando para aquele rosto. Ele era algo deslumbrante...

Acho que eu nunca vou me cansar de descrevê-lo também.

Eu perderia tempo nisso, mas toda a beleza estava indo embora. Benjamin havia se levantado e me dado as costas, simples assim.

Ou não tão simples.

- Benjamin! – Eu disparei.

- Benjamin Bertrand! – Eu agarrei seu ombro. Ele parou, mas não olhou para mim. – Eu quero falar com você, por favor.

Ele virou os olhos verdes, ainda numa mascara dura e sem emoções.

- Eu. Bem. – Respirei fundo. – Eu sinto muito.

- Sente muito? Pensei que essa frase não significasse nada para você, Gabriela.

Ok. Essa doeu.

- Eu sei que você deve estar me odiando agora. Eu sei que sou uma idiota, uma estúpida sem educação e egoísta também, e você tem todos os motivos para querer que eu suma. Mas olha... Eu estava com raiva. Eu não queria dizer tudo aquilo que disse e agora eu só quero pedir desculpas.

- Você está falando sério? – Ele arqueou uma sobrancelha espantada para mim.

- Sim. – Respondi firme. – Eu sinto muito. - Reforcei.

Ele se jogou para o lado e encostou seu corpo na parede, pensativo.

Eu me aproximei. Não queria que ele estivesse distante, não queria correr risco de ele fugir de mim.

E silêncio, segundos de silêncio que pareciam horas para mim.

- “E logo vou olhar, com que ansiedade...
“ As minhas mãos esguias, languescentes,
“Mãos de brancos dedos, uns bebés doentes
“ Que hão de morrer em plena mocidade
!” – Ele suspirou baixinho.

- E você está recitando Florbela Espanca por? – Indaguei.

- Você conhece? – Ele me fitou espantado.

- Não sou uma completa ignorante. – Dei de ombros. - “E ser-se novo é ter-se o Paraíso
“ É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
“Aonde tudo é luz e graça e riso!”
– Completei olhando para seus olhos verdes.

- “E os meus vinte e três anos… Sou tão novo!
“ Dizem baixinho a rir “Que linda a vida!…”
- “Responde a minha Dor: “Que linda a cova!” – Terminamos em uníssono

Ele sorriu. Eu me aliviei.

- Você não me quer na cova por fim?

- Me desculpe. – Eu não pensei no momento, apenas coloquei a minha mão no seu rosto. – Me desculpe. – Repeti enquanto olhava para os seus lhos verdes.

Ele pegou minha mão, o toque era frio e... Delicioso.

Ele agiu rápido, rodopiou nos próprios pés e enquanto eu o acompanhava com os olhos ele se aproximou, firmando os braços na parede atrás de mim agora, cada um de um lado, me prendendo sem me tocar.

Os olhos verdes fixos nos meus.

- Você não me odeia? – Dessa vez ele parecia se divertir com as palavras, talvez eu tivesse conseguido contornar sua magoa.

Ou não.

- Não, eu não odeio você. - Ele suspirou pesado, dando uma breve pausa em nosso dialogo.

- Eu queria poder passar por toda essa sua parede de rancor e conhecer a verdadeira Gabriela. – Ele falou mais para si mesmo do que para mim, mas mesmo assim eu respondi.

- Só por dizer isso, talvez você já me conheça melhor do que pensa.

Ele sorriu de novo. Sorriu de verdade.

- Acho que você pode voltar a me odiar depois disso, mas é um risco que eu preciso correr.

Ele estava mais perto agora, na verdade estava quase colado a mim. O hálito fresco e a respiração gélida batendo no meu rosto. Os dedos contornaram o desenho da minha face.

Eu demorei para perceber o que ele pretendia, e só tive a certeza quando já estava acontecendo. Benjamin estava perto de mim, grudado a mim. Os lábios movendo-se delicadamente nos meus. A mão que antes estava na parede afagava meus cabelos, e a outra prendia minha cintura.

Era como um feitiço, gélido mas que me queimava por dentro. Fogo frio.

Ele finalizou e deslizou os lábios até meus ouvidos.

-“Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui...além....” –Sussurrou outro verso de outro poema de Florbela em meu ouvido.

- Não. – Quase gritei e o empurrei para longe. – Você não podia ter feito isso.

- Por quê?

- Porque não! Eu sou uma bruxa e você é um vampiro...

- E eu devia estar morto?

- Eu não disse isso. – Parei para olhar para o rosto dele pela primeira vez, porque agora só as minhas bochechas queimavam, de vergonha.

- Não, você disse isso. Exatamente isso. – Ele respondeu amargo. – Porque veio se desculpar se não era sincero, Gabriela?

- Mas é sincero, Benjamin eu sinto muito pelo que eu disse. Mas então você me agarrou a força e tudo ficou confuso. Tecnicamente, somos de espécies diferentes e...

- A força? – Ele arregalou os olhos para mim. - Desculpe, acho que perdi o momento em que você tentou ao menos evitar.

- Velho estúpido! – Eu xinguei sem pensar, porque ele só não me deixava terminar de falar. Era... Errado eu sou uma bruxa e ele é um vampiro. Não é natural...

- Pirralha mimada. – Ele revidou.

Ele se virou, ele ia embora... Ia fugir de mim de novo.

- Espera. – Chamei. Ele parou.

- Droga Benjamin, eu não sei o que dizer... Eu... Só é estranho, não é certo...

- Não diga nada. Você disse que não queria mais me ver ou falar comigo, você disse que me queria morto. Já foi o suficiente, não acha?

- Mas você não consegue entender...

- Não, eu não consigo. Eu juro que tentei entender você, mas a conclusão me decepcionou demais, porque as únicas respostas que eu encontrei envolviam egoísmo em excesso. Mas quer saber uma novidade Gabriela? O mundo não está girando em torno de você.

Eu precisei de alguns segundos para absorver tudo.

- Você quer dizer que...

- Eu quero dizer que eu estou cansado de tentar te entender, cansado de tentar ficar ao seu lado, e droga convivemos só a três dias? Eu quero dizer, que eu desisto, Gabriela. Ou se você quiser em termos simples, você pode ir para inferno.

UAL.

Não havia como impedir que ele fosse embora agora, não havia vontade de impedir que ele fosse embora.

Ele virou as costas e sumiu pelo corredor.

Eu cai de joelhos. Meus olhos arderam.

Não, por deus, não seja ridícula Gabriela!

Mordi o lábio tentando evitar chorar, porque eu me importava? Em meus bons tempos eu revidaria com um bom palavrão e fim da história.

Mas agora parecia que havia algo me dilacerando por dentro. Oh, quão dramático e exagerado isso. Mas era assim, porque parece que eu acabo de descobrir alguém com que eu me importe. Benjamin, o cara que havia acabado e me mandar ir para o inferno.

Então essa é a sensação de quem se importa? As palavras doem tanto assim?

Então eu estou tomando um pouco do meu próprio veneno afinal.

Balancei minha cabeça enquanto me levantava e quase corria sem direção. Queria apenas espantar todos os pensamentos. Queria não me importar mais.

Eu faria isso.

***

- Mas foi um beijinho, um beijo ou um beijão de cinema?

- Você não ouviu o final da narração, Brige? Aparte do vá para o inferno?

- Existem detalhes que fazem a diferença! – Ela deu de ombros.

- Então, o plano de reconciliação no fim foi um fiasco. – Cherrie bufou.

- O maior de todos. E doloroso também. – Completei.

- Vou parecer insensível demais se disser que a culpa é sua? – Brige resmungou entre dentes.

- Não. É a verdade, uma verdade nada amigável, mas a verdade.

- Eu também sou uma péssima amiga, se formos avaliar. – Ela fez uma careta e passou o braço pelo meu pescoço. – Mas não esquenta chuchu,a s coisas sempre dão certo no final. – Ela deu um soquinho de leve na minha cabeça. E eu ri.

Mas senti falta de outra voz entusiasmada.

- Cherrie você está bem? – Perguntei fitando Cherrie a uns três passos para trás de nós, enquanto caminhávamos no corredor.

- Desculpe Gabriela. Minha cabeça está me matando. – Ela resmungou massageando as têmporas.

- Pensei que você tivesse ido a enfermaria ver isso – A preocupação de Brige mostrou que a dor não era recente.

- Hey, Florence Casanobba pode faze ruma poção e a dor passa em dois segundos. – Completei.

- Eu já fiz isso. Eu já tomei uma poção, a dor voltou.

- Então vamos voltar para a enfermaria. – Sugeri. – Deve haver algum feitiço mais forte.

- Não, está tudo bem. Vamos para o dormitório. – Ela resmungou. – Temos de criar um plano B de reconciliação, não acha? – Ela tentou sorrir.

- Não. Não vai dar certo. Chega de Benjamin Bertrand, pelo resto da minha vida.

- Você não está falando sério. – Cherrie quase arregalou os olhos.

- “Vá para inferno” me pareceu uma frase bem clara. Aceitem, nós nos odiaremos para sempre agora. Fim da história. – Respondi amargurada.

- Mas ele te beijou. – Brige tentou parecer animada.

- E eu estraguei tudo. De novo. – e talvez fosse melhor assim, afinal. Espécies diferentes.

Brige revirou os olhos.

O único movimento presente. Cherrie estava para trás, quieta. Anormalmente quieta.

Quase simultaneamente Brige e eu nos viramos para checar.

Mas aquela garota não parecia Cherrie. Essa se parecia mais com um fantasma da Cherrie sorridente e falante, seus olhos vagos denunciavam isso.

Ela estava parada no corredor, nós a encarávamos.

- Cherrie, você está bem? – Perguntei, os olhos pareciam mortos em seu rosto.

- As vozes... – Ela murmurou.

- Cherrie o que diabos...

Sua mão direita subitamente ergue-se e me encontrou, ela estava fria o suficiente para me causar arrepios.

- Lutar. Gabriela, lutar. – Ela aumentou algumas oitavas na voz em um tom estridente.

- Cherrie o que você está sentindo? – Indaguei na esperança dela responder.

Mas ela não estava sentindo. Era muito mais forte do que os sentimentos mediúnicos que ela tinha. Era... Como uma visão?

- Morte... –Seus olhos reviram dentro das órbitas e a “boneca Cherrie” de olhos vazios caiu com um estrondo no chão.

Brige gritou.

- Gabriela, mecha-se. Precisamos levá-la para a enfermaria.

Eu logo me coloquei a correr, tentando ajudar Brige a carregar o corpo desacordado de Cherrie pelos corredores da escola.

- O que aconteceu? – A enfermeira perguntou enquanto vinha em nossa direção.

Brige contou uma história atrapalhada enquanto Florence agia.

Eu segurei a mão de Cherrie, para esperar que ela acordasse.

Florence mergulhava um pano branco em um recipiente enquanto murmurava algumas palavras que eu desconhecia. Havia um cheiro de hortelã e ferrugem no ar.

- Brige, temos que avisar Lucy.

- Eu vou. – Ela se levantou devagar e saiu.

A enfermeira pressionou fortemente o pano contra o nariz de Cherrie.

As suas pálpebras começaram a tremer. Ela afastou o tecido enquanto Cherrie acordava.

- Cherrie, o que você está sentindo? – Ela perguntou.

- Minha cabeça... O que?

- Calma. – A enfermeira colocou a mão nos ombros dela. – Há alguma dor?

- Eu estou bem. A minha cabeça estava doendo... Mas passou.

- Como passou?

- Sumiu. Eu estou bem. – Ela disse se sentando.

- Então você só queria nos matar de susto? – Falei em tom de brincadeira.

- O que eu fiz? – Ela tentou sorrir. Tentou.

- Você não se lembra?

- Não...

- Pequena! – Lucy entrou correndo pela porta. – O que aconteceu?

- Eu, eu não sei. – Cherrie respondeu confusa. - Eu estava andando com a Brige e a Gabriela, minha cabeça estava doendo. E depois eu estava aqui.

- O que aconteceu exatamente? – Reparei que Lucy não estava sozinha. Miguel falava, e ainda atrás estava Brad.

Brige narrou a breve história, até as falas e os desmaios.

- Como assim ela falou morte e caiu? O que aconteceu pequena? - Lucy reclamou de novo.

- Lucy, ela não se lembra. – Eu queria dizer isso, mas foi Miguel, o bruxo de olhos azuis quem falou. – Cherrie, concentre-se. Você pode se lembrar se quiser. É a primeira de muitas visões, você vai ter de se acostumar com isso. – Ele falou de modo te carinhosos enquanto segurava a outra mão de Cherrie. Eu estava com a esquerda nas minhas, soltei.

- Visão? – Ela perguntou.

- Comunicação com um espírito morto. Aconteceu comigo há dois anos. – Ele deu de ombros.

- Oh, você é médium querida? Miguelzinho era o único médium que eu conhecia. - A enfermeira falou quase emocionada.

Miguelzinho?

- Vó! Nós já falamos sobre essa história de Miguelzinho!

Brad caiu na gargalhada.

Miguel é médium e neto de Florence. Vivendo e aprendendo.

- Desculpe esqueci que você é metido a adulto. – Florence respondeu fingindo amargura. – Mas ainda é meu Miguelzinho!

Pensei que Brad fosse ter um ataque de tanto rir enquanto repetia para si mesmo “Miguelzinho”

Lucy olhou feio e ele ficou um pouco mais controlado. Um pouco.

- Tanto faz. – Cherrie reclamou. - Não podemos falar disso amanhã. Eu preciso dormir, vamos pro quarto. – Ela começou a se levantar.

- Hey! Vai com calma pequena. Quem disse que você vai voltar para o seu quarto hoje? – Lucy a segurou pelos ombros.

- O que? Você quer que eu durma na enfermaria? – Cherrie respondeu irônica.

- Se for preciso.

- Lucy! Eu estou bem. Vou ter de repetir quantas vezes pra vocês? Perfeitamente bem. – Ela respondeu mal humorada.

- Florence! – A irmã mais velha pediu por ajuda.

- Ela vai ficar bem Lucy, de tempo. Esse foi a primeira visão. – Foi Miguel quem respondeu.

- O que? Então eu vou desmaiar toda vez que ver alguma coisa?

- Não, você vai se acostumar. Acredite. –A pergunta foi de Lucy, mas ele respondeu para Cherrie. - As primeiras são as piores, mas você aprende a lidar com isso. Posso ajudar você, se quiser.

- Eu quero.

- Acho que você pode ir para o seu quarto, então. – Florence interrompeu.

- Ótimo! – A Cherrie sorridente voltou.

Eu e Brige a acompanhamos enquanto Lucy fazia um interrogatório aos dois Casanobba e Brad voltava a suas piadas com “Miguelzinho”.

- O que você acha que queria dizer? O espírito. – Brige perguntou.

- Eu não sei. O que eu disse?

- Chamou o nome da Gabriela, disse lutar e morte.

- Meu nome? Fazia parte da visão? – Me dei conta, quer dizer, eu não havia tido tempo de me concentrar na visão em si.

- Eu não me lembro dele, isso deve significar sim.

- Mas o que diabos significa então? – Perguntei.

- Nós vamos descobrir Gabriela, calma!

Então, esse era mais um assunto pendente. Pensei enquanto caminhávamos para o quarto.

Definitivamente. Um longo ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário